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APRESENTAÇÃO

Este é o terceiro título publicado por Wanderlino Arruda. Anteriormente, já havia editado dois volumes de crônicas, ambos recebidos com agrado pela crítica e pelo público. Sua estreia em livro ocorreu com "Tempos de Montes Claros", enfeixando uma coletânea de escritos publicados na imprensa sobre pessoas e coisas de nossa cidade, que é sua terra adotiva. Considero oportuno recordar que o Autor, dada à sua perene produção intelectual, demorou muito a estrear em livro, pois já estava na casa dos quarent'anos, quando publicou o primeiro título.

Logo em seguida, após breve pausa para meditação, surgiu com o segundo volume, "Jornal de Domingo", reunindo crônicas publicadas no suplemento literário de "O Jornal de Montes Claros", no qual assina uma coluna permanente, dando cobertura às suas observações pessoais sobre os acontecimentos do cotidiano. A continuar nesse ritmo editorial, que já prevê o quarto e o quinto títulos, para muito breve, Wanderlino Arruda acabará sendo o mais prolífico de nossos autores.

No momento, o recordista de publicação é o historiador Geraldo Tito da Silveira. De outro lado, verifica-se que outros bons escritores de Montes Claros, como Hermenegildo (Monzeca) Chaves e Caio Lafetá, produziram maravilhas e coleções de jornais antigos, tudo arquivado. Também João Chaves, o bardo, morreu sem editar o esperado livro de poemas, que teve edição póstuma promovida pela família. Ora, a cintilante beletrista Yvonne de Oliveira Silveira, que é a porta-estandarte de nossas letras, tem apenas a meação de "O Velho Brejo das Almas", feito em parceria com seu consorte Olyntho da Silveira, autor de vários livros. E Luiz de Paula, de refinado estilo, publicou apenas uma plaqueta sobre tema econômico, ficando a nos dever a obra inédita que deverá ser o espelho de sua face lírica e boêmia.

Pois bem, Wanderlino Arruda, que domina o vernáculo e tudo vê, tem comportado, em seu mister de cronista assíduo, com a mesma obstinação do arqueólogo que escava o subsolo em busca de civilizações soterradas, para que elas não desapareçam no esquecimento. O que se percebe, lendo-o, é a preocupação de fotografar o momento para a eternidade.

Por isto, os historiadores do futuro consultarão muito os seus livros, que para eles serão como essas garrafas trazidas pelas ondas do oceano, contendo mensagens enviadas de lugares ignotos.

O Autor vem operando com repórter fotográfico do panorama geral da cidade e do mundo, desse vasto mundo que começa em São João do Paraíso e não tem onde acabar, e opera com habilidade para captar o flagrante do cotidiano, com a luminosidade, a nitidez e o ângulo recomendados pelos manuais da arte de bem fotografar.

Neste livro, ele abdicou de seu direito de selecionar a matéria e cedeu a incumbência a leitores, inovando. Franqueou seu arquivo de recortes a colegas de magistério, que lecionam na universidade do Banco do Brasil, o Departamento de Seleção e Desenvolvimento (DESED), e pediu-lhes que fizessem a triagem das crônicas. A rigor, creio sinceramente, caberia aos integrantes da luzida equipe a honraria do prefácio. Porém, o Autor, que é dado a atitudes que refugem ao convencional, escolheu um dos muitos personagens do livro anterior para prefaciar a obra.

Só tem que isto aqui não é prefácio, segundo a forma tradicional, significado apenas mera apresentação da obra, despojada da ambição de analisá-la com profundidade e erudição. Neste volume, o cronista edita o que é reputado de mais valioso em sua obra (inédita) de colaborador da imprensa, e o faz muito bem, porque receia que toda essa produção se perca na efemeridade do jornal, que depois de lido vai para a pilha de papéis usados, cai no esquecimento.

Sobre a natureza descartável do que sai nos jornais, recordo ao leitor um episódio ocorrido na juventude do romancista Ernest Hemingway. Aconselhado pela escritora norte-americana Gertrud Stein, ele abandonou o jornalismo e abraçou a carreira literária. Ela simplesmente o convenceu de que o jornalismo é como o texto escrito de giz, no quadro-negro. Basta passar a esponja para que desapareça ao passo que o livro é feito para ficar, para ser lido, guardado, relido, guardado...

Se neste volume, o cronista foi pouco exigente quanto ao prefácio e até cogitou de deixar em branco o espaço reservado ao prefaciador, em outros pormenores revelou-se vaidoso e requintado. A começar pela editora, que é a imprensa da Universidade Federal de Minas Gerais, cuja chancela confere prestígio. A vaidade falou mais alto, na escolha do ilustrador, que recaiu no primoroso artista plástico Samuel Figueira, cujos desenhos de bico-de-pena vão despertar a atenção e emoldurar o texto caprichoso. Acrescente-se a essa vaidade o convite feito ao professor Eduardo Luppi, chefe da equipe de artistas da UFMG, para a responsabilidade da arte final da obra.

Este livro, tão bem escrito e editado (com a composição feita por computador), se fosse o último, completaria uma trilogia de Wanderlino Arruda sobre aquilo que se chama "a alma encantadora das ruas", porém ainda virão outros. A fonte inspiradora continuará jorrando...

Quando ao título "O dia em que Chiquinho sumiu", esclareço que não se trata de literatura infantil, embora dê a impressão, merecendo ser lida por crianças e adultos, indistintamente, porque interessa a todo mundo que gosta de ler.
Bom proveito!

HAROLDO LÍVIO
Grão-Mogol, carnaval de 1987.


O DIA EM QUE CHIQUINHO SUMIU

No dia de novembro em que Chiquinho sumiu eu não estava em Brasília. Viajara semanas antes e nem vira o bichinho nem na chegada nem na saída numa permanência de muito tempo. Hospedado no St. Paul Hotel, nem uma vez fui à Setecentos e Três Sul, não sei se por comodismo ou ingratidão, embora lá estivessem muitos dos meus colegas e amigos e também o Chiquinho. Foi uma pena. Agora que o Chiquinho desapareceu é que eu vejo a perda, a dor de uma ausência mesmo não deliberada. Perto de lá, passei apenas duas vezes: uma à noite, indo à casa do Nelson Pereira de Souza, presidente brasileiro do Esperanto, e outra, numa manhã de domingo, num passeio circular pela cidade para uma visita à Walkíria e Nabiran. Mas à casa da Concessa e do Chiquinho, eu não fui.

Soube do sumiço do Chiquinho por notícia do colega Geraldo Eustáquio, que lá ficou hospedado durante um mês por sugestão minha. Ele contou-me do choro da Concessa, da angústia dos hóspedes, da tristeza da Neide, da sensação de perda de todos, na hora do café, na hora do jantar, e, principalmente, na hora da televisão, quando era mais firme a lembrança do Chiquinho deitado na almofada de fina seda, entusiasmado com os programas da Globo da viúva Porcina. Eustáquio contou-me ainda que a Concessa ficou intolerável, nervosa, cheia de queixume, longe da gentileza normal de que ela é a maior portadora do mundo. Acabou até a alegria da casa e houve até reclamação!

Também triste, mesmo longo do epicentro da tragédia, não aguento ficar sozinho com a notícia, e telefono incontinenti para o Recife e falo do acontecimento com o meu grande amigo Tiago Marcos, ainda mais amigo da Concessa do que eu, pois quase conterrâneo, ela do Rio Grande do Norte, ele de Jaboatão, em Pernambuco. Tiago diz-me que nem pode acreditar, deve haver um engano, o Chiquinho deve estar esperando a hora de voltar! Falo-lhe do desespero da Concessa, de que fui informado, e ele me promete que logo estaremos em Brasília para ajudar a amiga. Se eu quiser, posso até esperá-lo no Aeroporto, no domingo dia 4 de janeiro, à tardinha. Vamos chegar juntos à 703, Bloco J, como já fizemos de outras vezes em que trabalhamos em tarefas de treinamento de colegas do Banco do Brasil. Tiago sempre foi um dos maiores admiradores de Chiquinho, e com ele sabia até conversar...

Quando telefono para Concessa para confirmar a reserva do apartamento em que vou ficar, e apresentar os meus sentimentos pela ausência do Chiquinho, ela me diz que o Tiago já chamara para ele e dera conta dos dois recados, para ele a para mim. A presença telefônica dos dois amigos, parece, minorara um pouco o seu sofrimento e só Deus sabe quanto é importante a solidariedade! Narrou todos os acontecimentos, dizendo que, no dia do desaparecimento do Chiquinho, ela e muita gene vasculharam com malha fina nada menos de nove quadras, da novecentos e três até a quinhentos e cinco. Mais fizera se não fora para tão longo amor tão curto o dia!

Não vejo a hora de telefonar para dar a notícia ao Jorge, ao Kalunga e ao Moacir, no Rio Grande do Sul, à Ivone, à Mitsu, ao Hiroshi, em São Paulo; ao Geraldo, em Teófilo Otoni, e, quem sabe, a mais alguém neste grande Brasil que do Chiquinho sempre gostara.

Esqueci-me de dizer, minha senhora, que Chiquinho é o gato mais querido da Concessa!


AVENTURA ANTES DO NATAL

Eu havia chegado de uma viagem de férias, começada em meados de dezembro, quando me entregaram aviso e um convite para receber um prêmio em Goiânia. A Segunda Semana de Artes de Goiás tinha escolhido um quadro meu - "Estrada em Movimento" - com premiação em dinheiro e diploma, e queria a comissão que eu fosse pessoalmente participar da festa. Como não estava em período de serviço ainda, nem pensei duas vezes e tomei o primeiro ônibus para Brasília, aonde cheguei numa manhã linda, com um sol de rara beleza nascendo multicolorido no meio dos dois blocos do Congresso Nacional, coisa de muito agradar a quem pinte ou escreva qualquer pedacinho de vida ou de natureza. E foi aí em Brasília que descobri o aperto em que me metera, um sério envolvimento de dificuldades em véspera de Natal. Não havia passagem para voltar a Montes Claros, a tempo de participar das festas da família. Tudo, além de difícil, impossível.

Quando as coisas não ficam fáceis, o pior que pode acontecer é esquentarmos o juízo, mas um pouco de calma será sempre o melhor caminho, já que cautela não faz mal a ninguém. Não ir para Goiânia, naquela hora, seria colocar a alegria e o sacrifício em total prejuízo. Ficar na capital não era bem o meu destino. Ir para outra cidade também não tinha graça. E o que fazer? Examinar todas as possibilidades, uai! E foi aí que achei a solução melhor. Rapidamente, vi que um velho sonho poderia ser concretizado, já que conhecer o grande sertão era meu mais velho desejo, principalmente se pudesse passar pela Serra das Araras e ver todas as matarias descritas por Guimarães Rosa nos seus livros. Comprei a última passagem, do dia 23, para São Francisco, previsão de saída às 7 e chegada às 5 da tarde, e nem mais pensei em prêmio de pintura, muitíssimo mais interessado em torno da nova aventura.

De volta de Goiânia, pouco antes das 7, em Brasília, uma multidão diante da tabuleta de nosso ônibus, gente que dava para quase três viagens. Faltando 5 minutos, o motorista avisou ao pessoal sem passagens que todos deveriam ir, a pé, até a W-3, aguardando lá por um tempinho, pois, só poderia sair da Rodoviária com viajantes sentados. Ficou na fila pouco mais de um terço, e uns sessenta saíram para obedecer a ordem.

O que vimos, em seguida, debaixo do primeiro viaduto, era para qualquer pessoa normal duvidar, pois não seria possível aquele carro suportar nem peso nem o volume de tão numerosa clientela. Foram seis longos minutos de acomodação, ajeito aqui, ajeito ali, gente mais nova sentada no colo de gente mais velha, namorados e recém-casados bem juntinhos, os mais afoitos sentados no encosto dos braços, uma verdadeira lata de sardinha humana.

Antes de Unaí, umas duas paradas para mais passageiros. Não adianta dizer que não dava, não podia, porque sempre era encontrado um recurso, um aperto mais e tudo bem! No ponto de café onde o motorista disse que era apenas um minutinho, só para sair gastamos um quarto de hora. Para entrar todo mundo de novo, aí já com mais seis passageiros, pelo relógio não foi menos de quarenta minutos. Houve horário de almoço, mais três companheiros de aventura e mais demora de entrar e sair, porque estômago cheio dá sempre preguiça. Quando paramos à tarde para o café, não precisou ninguém descer, porque as laranjas, bananas, melancias, pastéis e brevidades, assim como rodelas de cana tudo foi comprado pelas janelas. Uma grande novidade e um milagre de salvação foi o aparecimento de água mineral, creio nada mais importante num dia de tanto calor.

Na Serra das Araras, um lugarzinho bem bonito, arborizado, com praça toda verdinha de grama, apareceu uma senhora para viajar, com três meninos lourinhos e um engradado com dois perus fazendo glu-glu-glu. De início, o motorista não concordou, dizendo ser impossível, pois, se houvesse lugar para ela e para os garotos, onde é que iria colocar os perus? Foi uma curiosidade geral, gente e mais gente botando a cabeça para fora da janela, querendo dar palpites e ajudar na situação. Realmente, onde colocar os perus? Problema para nós e para o condutor, porque, para ela, tudo normal. A dona chamou o trocador, mandou-o tirar três ou quatro malas e alguns sacos e embrulhos, olhou e reolhou o bagageiro e, como velha viajante, enfiou seu caixote no meio dos tarecos do povo. Foi um alívio geral. De cabeça erguida, importante, ela pegou os meninos, sorriu, limpou o suor da testa, e com eles ocupou o primeiro degrau depois da entrada.

Quando chegamos a São Francisco, não às 5 da tarde, mas às 8 da noite, o ambiente interno estava tão carregado e tão cheio que a porta só podia ser fechada ou aberta por alguém do lado de fora. Ninguém precisava ter medo de cair ou escorregar, porque para isso não havia nenhum espaço vago. Embora não fosse minha obrigação, julguei importante fazer estatística para o DER ou para quem interessar possa. Com motorista, ajudante e todos nós, cento e vinte e três passageiros desceram: 121 humanos e 2 perus. Só nós sobrevivemos até o Natal. Os perus devem ter sido argumento de bom apetite durante as festas. ou antes, porque sabemos que peru morre na véspera...


A GOSTOSA ARTE DE ESCREVER

O meu amigo Ânderson, da Monvep, disse-me que tirou um pouco do seu tempo da leitura de automóveis, para ler o meu livro de crônicas "Jornal de Domingo". Garantiu-me que está gostando e me surpreendeu quando, sem ser crítico literário, fez, pelo menos para mim, o autor, uma judiciosa observação: minhas crônicas têm um determinado fio de narração que as faz princípio, meio e fim, isto é, uma estória completa; diferentes do normal, porque os cronistas naturalmente gostam de divagações, passeios por diversos assuntos, uma busca de palavras para um simples preenchimento de espaços. Mesmo não tendo ainda terminado a leitura do livro, Ânderson deu-me bom motivo para continuar escrevendo, a certeza de estar sendo lido e, o que é melhor, de estar sendo compreendido nas minhas secretas ou visíveis intenções: a de ser didático quando escrevo.

Realmente, acho que qualquer tipo de comunicação deve ter conteúdo, deve obedecer a ordem lógica, ser firmado em estrutura narrativa que leve o leitor ou ouvinte a uma possível mensagem. Não é justo que alguém escreva só por escrever, abuse do tempo do leitor, menospreze sua inteligência. Também não é direito de ninguém alinhavar discursos com retórica oca, vazia, sem o recado que deve ser dado. Quem lê ou escuta merece respeito e carinho. As ideias, brilhantes ou não, devem ter sempre sentido de eternidade, precisam marcar tempo na história menor ou maior de todos nós, pobres mortais e passageiros da vida. O nada não é e nunca foi comunicação. Comunicar é transmitir significados, é emitir emoções, é conativamente influenciar as mentes receptoras, é marcar referenciais, é explicar ou fazer linguagem poética. Em última análise, comunicar é estabelecer ou realimentar contatos.

Seria petulante pretensão esta busca de perpetuidade de quem busca na crônica, diária ou semanal, a marcação da cadência do tempo? Não constitui vaidade o querer ser testemunha da vida, dos pensamentos próprios ou alheios, da busca daquele momento fugaz que normalmente passaria despercebido pela visão comum de quem não se preocupa com arte? O que vale o dia-a-dia, as humanas ações de cda um e de todos? Pode um escrito, literário ou não, modificar nossa existência, plasmar de alguma forma nosso comportamento? Muitas são as perguntas, mas as respostas vão depender da nossa natureza, da nossa vivência, da nossa própria cultura. Afinal, tudo é relativo...

De uma coisa, leitor, eu tenho certeza e lanço fora todas as dúvidas, deixando de lado orgulho falso ou falsa humildade. É bom escrever, é bom ser lido, é bom ser acompanhado em nossos pensamentos. É ótimo ter a sensação de ter dito o que outras pessoas gostariam de dizer, comungar ideias, e, às vezes, até lavar a alma... O Reginauro Silva disse qualquer coisa assim, depois de passar tanto tempo fora das letras de jornal. Lamentou a ausência do contato com seu público e chegou a exagerar a gratificação psicológica que recebeu nos elogios por sua volta. Parece que foi tudo muito bom. Com que sede volta à fonte para conversar com seus amigos! Como o Reivaldo Canela derrama sentimentos quando fala de sua paixão pelo belo, seja natureza, seja gente! E o Georgino Júnior, como é notável quando não está amargo! E o Benedito Said, criativo e irreverente, o que você diz dele, leitor? Não é tudo tão gostoso?


O PODER MAIOR

Vivemos num mundo cheio de poderes, cada qual querendo ser mais poderoso, mais influente, mais insinuante. Cada poder deseja marcar presença, ditar normas, ser mais importante. Uns chegam ao cúmulo de postular a onipotência, igualar-se ao poder dos poderes, numa tentativa de autodivinização. E, como quem pode o mais pode o menos, lá vai mando e mais mando por sobre os que mandam menos ou sobre os que não mandam nada, principalmente sobre estes, a grande maioria que só vive para obedecer, quase todos nós pobres mortais. E o que é mesmo o poder num país deste que, no fim, ninguém sabe quem manda?

Na Idade Média, quando o mundo parecia ser ou era menor, pelo menos havia menor população e menor número de países, o número de poderes era pequeno. Havia, na verdade, o poder religioso e o poder da nobreza, algumas vezes matizados pelo poder da universidade, diluído entre os dois. Onde não estivesse a púrpura estaria só a obediência, o subjugado, o atrelado ao carro da força. O povo, o que sobrava, só tinha direito ao sacrifício, à paciência, à espera eterna pelo prêmio da eternidade, depois da morte física, esta que, até certo ponto, ainda podia ser determinada pelos que dominavam o mando. Antes da Idade Média ou mesmo depois dela, em muitos casos ainda era pior, com o poder praticamente absoluto.

O mundo melhorou, o pensamento deslizou para cérebros menos poderosos. Irrigado por sangue menos azul e menos bafejado por unções privilegiadas, o poder intelectual saído das universidades, distribuído pelos estúdios de arte ou pelas tipografias ficou mais solto, mais livre, com certa autonomia. Pensou-se então na fraternidade, causa tão antiga, mas esquecida; pensou-se na igualdade, direito tão sonhado, mas sempre deixado em plano fora de cogitação. A melhora do mundo não poderia vir senão depois de grandes sacrifícios, de muito martírio, de pesadas baixas em todas as classes, inclusive nas sempre dominantes. E o poder foi sendo distribuído, com vagarosa distribuição.

Veio o poder militar, na medida em que os exércitos foram sendo organizados, tomando nova consciência de mando. Veio o poder econômico com o desenvolvimento dos transportes, da indústria e do comércio, dos meios de produção, enfim. Veio o poder da comunicação multiplicado e usado com bons e maus propósitos, timoneiro da liberdade ou mentor dos abusos de outros poderes. Apareceu o poder intelectual e mecânico da ciência, surgiu, como nunca, o poder da cultura através de todas as artes mais próximas do homem comum. Nunca se desprezou o poder das leis justas ou injustas, principalmente depois que o mundo se achatou para receber todo o peso de uma coação legal que aparece incrivelmente, de todos os lados. E o poder da tecnologia? Deste nem é preciso falar...

Como a vida não nos é dada feita, muito ao contrário, nós é que temos de fazê-la, recriá-la, segui-la com todo o nosso poder de criatividade, tudo fica mais difícil, mais sofrido até para os que já nascem no centro do poder. Considerando-se ainda o poder da ética, ente invisível, mas dos mais importantes para a existência normal do homem e da sociedade, a vida constitui um desafio aos que gostam de viver e viver bem com sua consciência. Com tanto poder, a anarquia, na verdade, nunca pôde assumir totalmente seu papel e, talvez, isso seja até bom, para tristeza de muitos... O que salva tanto poder é que, querendo ou não querendo, somos dominados por uma força maior, diretora de nossos destinos: o poder de Deus!


A PALAVRA SAUDADE

Segundo Bess Sondel, as palavras podem suscitar todas as emoções; pasmo, terror, nostalgia, pesar... As palavras podem desmoralizar uma pessoa até a apatia ou espicaçá-la até o deleite, podem exaltá-la a extremos de experiência espiritual e estética. As palavras têm um poder assustador. E tudo isso é muita verdade, não acredito haja alguém que duvide. As palavras têm uma força, uma resistência, um poder que suplantam quase tudo que existe no mundo. Passam exércitos, passam impérios, passam repúblicas, mas as palavras não passam. Elas são permanentes, mais firmes do que os granitos dos palácios e dos monumentos. as palavras de Sócrates, escritas por intermédio de Platão, suplantaram todos os governos gregos e suas obras militares ou civis. Passarão as pirâmides e a esfinge do Egito, mas as palavras do "Livro dos Mortos" não desaparecerão.

Deve ser por isso que nós dispomos, na Língua Portuguesa, de uma palavra que não tem igual no mundo em sentido, em significado, em força, tanto no aspecto denotativo (se isso é possível!) como no conotativo. É a palavra saudade, de origem tão obscura como o fundo dos mares portugueses, tão misteriosa como a virgindade das selvas brasileiras, ou tão cheia de calor como as terras de Angola ou Moçambique, também de lnguajar lusitano.

De onde veio realmente o vocábulo saudade? Do latim solitate (soledade, solidão)? Do árabe saudah? Dos arcaísmos soydade, suydade? Até Antenor Nascentes, que foi nosso melhor estudioso da etimologia, não é convincente na explicação da origem. Influência da palavra saúde, como pode parecer uma analogia fonética? Dificilmente.

Não sendo possível definir a matriz de onde sai esta filha tão grata a todos nós, resta-nos apenas a satisfação e a honra de tê-la em nosso vocabulário, sem o perigo de competição por parte de qualquer língua de dentro ou de fora de nossa família latina. O francês solitude está longe de ter o mesmo significado. Mesmo do esperanto (re)soporio e rememoro estão longe de alcançar nossa expressividade. São termos que passam a quilômetros de distância da riqueza semântica do que usamos.

E o que é mesmo saudade? Um sentimento que deve existir no coração de toda criatura humana, seja ela de qualquer raça, de qualquer parte do mundo, seja pobre, seja rica. A saudade não escolhe, não discrimina, não se faz de rogada para existir. Ela vem de mansinho ou vem fortemente, chegando quando menos se espera. A saudade é amiga da solidão, companheira inseparável do amor, visita invisível da amizade, às vezes pedaço de paixão, em muitos casos suave perfume de momentos de carinho e ternura.

Realmente, não é fácil definir o sentimento da saudade. E é talvez por isso que ela só exista, como palavra, na Língua Portuguesa, na mística do povo de nossa raça, principalmente no brasileiro, esta maravilhosa mistura de sangue tropical, fruto de três origens: a branca, a negra e a tupi. Saudade é dor que sufoca o coração e alegra a alma. Saudade é presença do ausente, é lembrança do bem-querer, um doce convívio com a distância, uma alegre e agradável tristeza do ver-não-vendo, do amar sem o objeto do amor...


A FEIRA DE CARUARU

Se é maior do que a de Marrocos, eu não seis. Se é semelhante a um mercado persa, não posso saber, pois não conheço nem uma nem outra dessas feiras. Mas de uma coisa eu sei: a feira de Caruaru é ou deve ser a maior do mundo, maior mesmo do que a Feira de Santana, na Bahia, um respeitável conjunto de gentes e de coisas espalhadas por uma enorme praça e um emaranhado de construções, envoltas e rodeadas por um notável barulho de sons semelhantes ao burburinho e à algaravia. Diante de todas as outras, mesmo da de Teresina, a feira de Caruaru merece enorme respeito.

A feira de Caruaru parece aquelas serpentes chinesas, de papel ou não sei de quê, grandalhonas, intermináveis, sinuosas e tremelicantes, que nunca acabam, sem começo e sem fim. Isso mesmo, uma serpente ou um dragão chinês, bem colorido, brilhantes, de mil facetas e formas, com riqueza de pororoca misturada com geometria de Serra Pelada, multidão fervilhante entrando e saindo naquele afã de vender e comprar, um tupiniquim consumismo independente de qualquer plano cruzado. A feira de Caruaru é, antes de tudo, viva, vivaz, estuante de vida e entusiasmo.

Quanta coisa se faz na feira de Caruaru! Lá pode-se comprar jerimum, umbu, macaco, frango, carne seca, farinha de mandioca e de coco, cestos, panelas, coités, tapioca, chaves de bronze, litografias, cerâmicas, tapetes, tudo! Quer consertar um relógio? Quer cortar o cabelo, depilar, experimentar um batom? Deseja fazer uma costura, ajeitar um bordado, esquentar um pedaço de carne, comprar uma pena amarela para fantasia de carnaval? Até se você quiser uma miniatura de uma das naves Apolo ou de um esputinique, não tenha dúvida, vá correndo à feira de Caruaru, porque lá existe de tudo! Roupas de cama e de mesa, enxovais para batizado e casamento, jibão de vaqueiro, fio dental, porta-seios, sungas, anáguas, fitas para penteados, cintos, meias de homem e de mulher, meias de meninos e bebês, tudo exposto à venda!

Na feira de Caruaru pode-se beber e comer, pode-se dormir e sonhar, pode-se andar e correr, pode-se até ficar parado. É um espaço enorme, prá ver e sentir, fazer, escutar ou ler poesias de cordel, ter um encontro com os próprios poetas. Devoto do padim padre Ciço? Milhares e milhares! É o que mais tem! Nesta época do ano, a feira de Caruaru tem até chuva, água vinda do céu, milagre, um grande milagre, para contrastar com o sol do ano inteiro, ou do século!

Como é linda e gostosa a feira de Caruaru!


 

VOCÊ FALA PALAVRÃO?

Ser ou não ser falador de palavrões, eis a questão! Falar nomes considerados "feios" fica quase que na escolha de cada um, já não constituindo uma condenação tão terrível como acontecia algum tempo atrás. Às vezes, falar palavrões até parece grã-fino, dependendo do falador, da sua faixa de idade e do ambiente em que expressa sua fala. Tudo tem sido questão de modismos, de preferência de novo dialeto, quiçá de cultura, de vivência nova, de nova forma de raciocinar muito encontrada em certas camadas intelectuais. Claro que falo, aqui, do palavrão acatado ou tolerado, ou, quem sabe, até bem recebido e aplaudido, como vemos, por aí, todos os dias!

Veja você que tudo dependerá do ambiente e da naturalidade com que as pessoas falem, da coragem com que emitam palavras ou conceitos passíveis de aceitação por quem esteja ouvindo ou lendo, como parte interessada ou mesmo como simples espectador de casa situação. Assim, temos o palavrão nem sempre inconveniente e, até ao contrário, indicador de riqueza sociológica e semântica, propulsor de sobrecarga tanto da área cognitiva como do sentimento e da emoção. Explico: às vezes, o palavrão constitui a linha mais reta para quem precisa se comunicar sem muitos rodeios, e encontrar o alvo com o impacto do que é claro e sensível. Explico mais: o palavrão, quase sempre, encurta caminho, não faz curvas.

Não sei se, ao escrever sobre este assunto, estou a fazer censura ou a deitar proselitismos. Não sei se estou defendendo ou acusando o palavrão. Não sei se estou aceitando, ou simplesmente depondo armas, eu que fujo o mais que posso do que venha parecer obsceno ou menos edificante. Realmente, não sei minha posição ou grau de tolerância. Mas, de uma coisa eu sei: a cada dia, estamos vivendo mais mergulhados no uso do palavrão, digamos até além do uso, ou melhor, no abuso! E para certificarmo-nos disso não é preciso ir ao teatro, assistir a algum filme, ver alguma coisa de televisão, frequentar rodas ditas intelectuais: basta andar na rua, assuntar as conversas pela aí, como dizer os jovens.

Para coroar de êxito maior o uso do palavrão já existe - não sei se já publicado - um dicionário todinho dedicado ao assunto, com toda a maestria do etnógrafo Mário Souto Maior, do Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais. É obra de registro do linguajar vivo da nação brasileira, repertório de todo o desbocamento semântico nacional, dizem partida de sugestão do pernambucano e mundialmente famoso Gilberto Freire. Ninguém perde por procurar, ou mesmo por esperar. Uns para evitar o uso, outros para enriquecer o vocabulário...

O que você acha de tudo isso?


VIAGEM À AMAZÔNIA

Dez dias antes, Rosa, Ivone e Gazzaneo já estavam gastando preciosos minutos ou horas de contato com a BBTUR, tudo fazendo para tornar mais confortável e barata a viagem de japoneses e brasileiros à região amazônica, tendo como centro de interesse maior, como não poderia deixar de ser, a cidade de Manaus. Compra de passagens, obtenção de descontos, reserva de hotéis, encomendas de passeios pelos rios e florestas, contrato de filmagens, endereços para compras, tudo constituía motivos de preocupações, com exaustivos detalhamentos e cuidados. Foram dias tensos principalmente para Rosa que, parece, até emagreceu, o que deve ter acontecido também com Roberto, sempre muito minucioso.

Tarefa terminada em Brasília para alguns, ou melhor, para a maioria do grupo de treze, tudo indicava uma oportunidade de descanso e descontração, dias de férias antes de iniciar a luta trabalhosa no Banco em dependências espalhadas do Ceará ao Rio Grande do Sul, principalmente na cidade de São Paulo. Assim, cada preparativo, cada providência deveria dar uma sensação especial, o coroamento de ouro de longo período de três longos meses fora de casa, longe das famílias. Assim, foi com prazer que ouvimos a fala do comandante do 647, da Transbrasil, anunciando o voo a 15.000 metros de altura, numa quente meia-noite, e 3.000 quilômetros até a descida no aeroporto de Manaus. Mitsuko, Walquíria, Izaura, Maria de Jesus, Joffily, Nilce, Cristina, cada qual em particular, e o grupo em geral, todo mundo anunciava e prenunciava alegria. Afonso, Gustavo e Roberto chegariam no dia seguinte.

Palavra que eu não esperava um calor tão ameno, nem na hora da chegada, nem nos outros dias na Amazônia. Clima muito melhor que da última viagem que fiz com Olímpia e Ana Irlanda, há oito anos, quando tudo parecia um grande forno. Ruas e avenidas molhadas por chuva recente, Manaus brilhava aos nossos olhos, numa rápida sucessão de velocidades até o hotel. Como o táxi corre, ou voa, de modo a aproveitar o tempo e voltar de novo ao aeroporto em busca de novos visitantes! No café da manhã, restaurante de cobertura, por pouco, por falta de algum contorno, o Rio Negro poderia até ser confundido com a baía de Guanabara, já que a cidade e o porto são bem antigos e parecidos com a paisagem do Rio de Janeiro. Até se admite dizer quase um matar de suas saudades...

Como é interessante e gostoso o reencontro com a movimentação da Zona Franca, com o Teatro Amazonas, a Feira Permanente da Suframa, a Feira da Praça da Polícia, o velho Mercado, a Alfândega, o porto, as chegadas e saídas dos barcos e navios, a quase viagem ao Hotel Tropical, na Ponta Negra, com passagem pelos barzinhos e restaurantes, as praças apinhadas de gente com meia-cara de índio, um tanto caboclas!

Como é gratificante tornarmo-nos de novo crianças na visão das lojas com sua eletrônica e seus brinquedos, suas mercadorias de mil cores, como se estivéssemos num mercado persa! Que delícia a cerveja, o guaraná, os sucos de cupuaçu, graviola, pupunha, bacaba tucumã, os temperos de murupi e tucupi, a farinha de areni, o tambaqui, o tucunaré o pirarucu, o jaraqui, em caldeiradas, fritos, assados...

Depois da cidade, o Rio Negro, o Solimões, o encontro das águas, o comércio flutuante, a floresta, os igarapés, os igapós, a mais rica variedade de aves e animais do mundo, as vitórias-régias, o mergulho corajoso nas profundidades do rio-mar, o almoço nos barcos, as pequenas investidas nas canoas, quanta aventura! Tudo um outro mundo, algo que todos os brasileiros deveriam ver pelo menos uma vez na vida. Realmente, a Amazônia é o mais belo paraíso tropical do mundo. Ver para crer!


MARÇO, TEMPO DE BELEZA

Março, mês de menina-moça, linda, alegre, caminhando docemente para a escola! Março, mês de cores juvenis de uniformes escolares, de blusas moderninhas modelando corpos de maravilhoso alvorecer para a vida de sonhos e aprendizado! Março, tempo de faceirice, andares calmos ou ligeiros de moças em flor, nos enleios que só o início de aulas pode oferecer! Em março, as meninas ainda estão despreocupadas, com sabor de férias, alegres pelo recomeço das aulas e saudosas das muitas horas de folga espairecidas desde dezembro! Março, mês de encontros e reencontros da gostosa vida entre colegas e novas coisas a aprender! Um mundo novo, vida renovada de quem ainda pouco viveu!

Gosto imensamente do mês de março porque é recomeço, início de novo brilho na luz da caminhada de todos os jovens escolares.

Em março há certeza de que tudo se renova na existência humana, a exemplo do que faz a natureza depois das primeiras chuvas da Primavera. Em março as ruas ficam mais movimentadas, são mais ricas de encanto, têm mais horas de alegria e descontração. Afinal, desde que o sol desponta, vão e vêm meninas de bicicleta, desafiando a brisa, cabelos esvoaçantes, mochilas de livros para indicar o destino! Mais interessantes ficam os pontos de ônibus, assim-assim de beleza e gosto de viver! E as motocas? Nas motocas, elas passam desafiando destino e futuro, velozes como navegantes do cosmo ou do infinito!

Em março as moças são como flores - rosas, lírios campestres - belezas de todos os jardins. Em março as moças são como a água cristalina das fontes, puras transparências de amor! A menina-moça parou um pouquinho para descansar? Sentou em um banco de jardim ou olhou para trás na esquina? Sorriu para um amigo ou colega que tem o mesmo destino? O que faz a menina-moça de março, tempo de tanto encanto? Tudo lindo, joias de momentos que justificam e anistiam a vida, que fluidificam as esperanças. Não sei o que seria da vida se não existisse março! Não sei o que seria da vida se não existissem os sorrisos e a confiança da juventude!

Mas, como existem, a vida continua!


CRÔNICA

É muito comum encontrar amigos que me dizem ter lido as minhas crônicas publicadas aos domingos. Mais comum ainda os que falam da leitura de meus artigos... D. Lisbela Alcântara, velha companheira de acompanhamento de tudo que se escreve, leitora infatigável de todos os dias, sempre se refere, pelo telefone ou quando raramente nos encontramos, às minhas CRÔNICAS. Isto mesmo: CRÔNICAS, pequeno relato assinalado ou não pelo temporal, pedaço de fugacidade de testemunho de algo que foi ouvido, visto, ou teve a participação do redator. Alguma coisa presenciada ou vivida, alguém que marcou ou marca nosso raciocínio ou nosso sentimento; acontecimento, de alguma forma, percebido pelos nossos olhos físicos ou espirituais; vivências, lembranças, experiências...

Já na escola, quando o estudante inicia o exercício de redação ou composição, como os professores costuma chamar, aparece inevitavelmente uma confusa divisória sobre o que seja um determinado tipo de escrito: narrativa, descrição, ou algo misto, um pouco de um, ou pouco de outro? No caso de publicação, onde a fronteira entre o artigo e a crônica, ente a crônica e o conto? Personagens todos têm, descrições todos apresentam, narrações quase sempre. Ponto de vista do autor, intimismo, ideologia, indiferença ou interesse pessoal, tudo é possível e alguma posição momentânea até necessária para dar maior tempero ao assunto. O que é diferente de tudo é o editorial, porque este é opinião do jornal ou da revista, ou até mesmo do rádio e da televisão. Também diferente é a notícia, esta imparcial, pouco adjetivada, talvez até fria, sempre direta, descritiva, sem omissão de nenhum dado importante. Notícia com opinião não é bem notícia, é facciosismo.

E a crônica, crônica mesmo? Tem ela condições de literariedade? Pode ser um gênero definido? Vale como informativo histórico quando se refere a fatos acontecidos ou quando trata de personagens reais? Ou, quando ficção, despretensiosa, simples passa tempo, valerá apenas como amenidade, leitura de lazer? Muito tem sido discutido sobre a crônica, principalmente como sua validade literária. Por que a crônica é sempre mais de jornal? Talvez! Todos temos uma ideia falsa ou verdadeira de que o que é escrito para jornal é escrito muito depressa, sem amadurecimento. E, por isso, achamos que só o que se faz pensadamente, devagar, bem digerido, pode ser literatura, tenha condições de literariedade, pendendo entre o ambíguo e o artístico.

De uma coisa eu sei: há diferença entre o que escrevemos na escola, como simples exercício, e o que escrevemos para ser lido em letras redondas da imprensa, publicado e multiplicado aos milhares de cópias, para milhares de prováveis leitores. O que é do jornal ou da revista exige mais responsabilidade; um compromisso maior, a possibilidade da crítica nem sempre construtiva e imparcial. Escreve-se par ficar escrito, guardado, sem condições de controle por parte do autor. O que é redigido na escola é apenas uma forma de respostas aos ensinamentos do professor, uma medição do aproveitamento passageiro ou definitivo do que foi absorvido pelo aluno. Para muitos, apenas uma simples aprovação de bimestre ou ano letivo.

Pessoalmente, defendo a ideia de que a crônica deve conter verdades objetivas e subjetivas e, se possível, marcar uma realidade no tempo e no espaço, fixar figuras principalmente no plano do sentimento. Dentro das condições intelectuais do cronista, seu trabalho deve ser uma construção linguística capaz de despertar valores ideais, uma reflexão não só do momentâneo como também do eterno existente dentro de cada leitor. A crônica não deve ser uma trabalho completo, mas, ao contrário, uma estrutura aberta, onde cada um possa acrescentar algo pessoal, seja de conhecimento, seja de amor...


O CÉU PODIA ESPERAR...

Minha amiga e colega Vera Lúcia Lopes Silva, esposa do filósofo Antônio Joaquim, certa vez me disse que eu sempre escrevo de forma a ser personagem também da história. Que sempre dou um jeito de penetrar pessoalmente nos acontecimentos. D. Vera mão me fez essa observação como censura, e afirmou achar apenas um lado curiosos de colocar as ideias no papel, apresentando-me com certo envolvimento, assim como acontece com as mulheres num caso de amor. É certo que não tenho defesa e, mais uma vez, venho dar provas de que não consigo escrever, um noticiador de fatos, um redator objetivo, isento. Subjetivista, envolvo-me realmente e com isso me dou por feliz.

A conversa explicada tem uma razão. Ainda agora, vou contar uma história bem conhecida de todos, porque noticiada para meio mundo e para o mundo inteiro, que é o de Tancredo, nestes dias de sua morte em São Paulo, com passagem por muitas terras deste triângulo com Brasília e Minas Gerais. A televisão, as rádios, os jornais e as revistas nunca estiveram tão ricos de acontecimentos e imagens, de conceitos e opiniões, de tristezas e lamentações. O prazo longo da doença do presidente permitiu organizar tudo, dar toques de perfeição e oportunidade, um trabalho de divulgação digno de louvor até para a imprensa do nosso interior, mais afastada, mas não menos bem informada.

Em Brasília, mergulhado como nunca nos livros, apostilas, anotações, transparências de retroprojeção, vídeos, planos de aulas, num curso de administração bancária, de uma hora para outra, na noite de domingo, com um grupo de colegas de várias regiões deste Brasil, sentimos a necessidade de uma parada par meditação e acompanhamento dos fatos ligados à morte do inesquecível presidente Tancredo. Se não foi surpresa para ninguém, a movimentação de notícias se tornou tão efetiva que não era possível deixar de participar. A ordem era ficar acordados até tarde do domingo, levantar na segunda, olhos e ouvidos ligados em São Paulo. Só às sete, a televisão informe do feriado nacional, mas mesmo assim seguimos para o trabalho, com vontade de cumprir metas sem atraso, tentativa de voltarmos - cada um para sua casa - no prazo previsto.

A primeira emoção é a passagem pela igreja de Dom Bosco, nossa vizinha da quadra 703, um dos monumentos mais belos da arquitetura de Brasília, quando visto de dentro para fora, toda construída de concreto e vidros coloridos, com conjunto de vitrais de causar impacto no mais duro coração. E, na manhã de segunda, o saber de que foi ali o último lugar em que Tancredo pisou publicamente com os próprios pés, abalava qualquer sentimento brasileiro. A beleza do teto, a brancura do piso de mármore, os múltiplos tons de azul e violeta, o pesado candelabro de cristais, a sobriedade de estudo com apenas duas esculturas - do Cristo e do patrono - tudo marcava profundamente a nossa memória, lembrando Tancredo lá sentado ou ajoelhado, já com a dor espelhada na face, D. Risoleta toda cuidados, o povo sentindo a aurora de um novo tempo. Desde cedinho, o repicar dos sinos eletrônicos da D. Bosco ressuscitava os sons gostosos dos sinos mineiros de São João Del-Rei, Ouro Preto, Mariana, Sabará e Diamantina. Que coisa mais linda!

O avião nem bem saíra de S. Paulo, já víamos gentes de todas as raças a caminhar par o aeroporto, par o Eixão, par a Esplanada, para as circunvizinhanças dos palácios, por toda e qualquer parte por onde poderia passar materialmente o grande presidente. Nada mais emocionava tanto como o verde-amarelo tarjado de preto de luto. Nada era mais patriótico do que as pequenas e grandes bandeiras - estas eram três - a servir de amparo do sol quente da capital da República. Velhos, crianças, senhoras, jovens em suas máquinas de velocidade, burocratas de paletó e gravata, cavalheiros de bermudas, parados, caminhando, correndo, um painel maravilhoso de saudades e reconhecimento a Tancredo. O que mais me emocionou, entretanto, foi um garoto mal vestido de aparência realmente humilde, cara de tristeza visível, que portava um cartaz de escrita rústica, traçada por quem aprendeu pouco na escola, mas muito na vida. Lá estava escrito: "ADEUS TANCREDO, MAS O CÉU PODIA ESPERAR"...


O GOSTOSO DO ROMANTISMO

É com grata satisfação que recebo do chefe e colega Jose Lúcio Gomes uma revista "Eu Sei Tudo", de dezembro de 1923, editada na cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, papel brilhante, bem impressa, algumas páginas a cores, muitas com iluminuras que fariam a alegria visual e estalar de língua de Haroldo Lívio, como se estivéssemos diante de um prato substancial e suculento. Não sei nem posso compreender do porquê e do como os antigos produz tanta atração, fica tão emocional diante do nosso gosto de cultura, desperta tanta curiosidade ainda mais do que diante do novo e do inusitado. Seria uma propensão natural de todos nós diante da linha romântica, do dèjá-vu, do rememorar dos nossos primeiros aos de vida e até de antes deles. Uma coisa é certa: o antigo nos toca profundamente em todos os sentidos.

Que coisa interessante é a revista "Eu Sei Tudo" do primeiro quartel do nosso século! De quando o Rio de Janeiro ainda era cidade pequena, embora a mais importante do país, capital da República, centro da intelectualidade brasileira, ainda sem muitos dos efeitos da Semana da Arte Moderna realizada em São Paulo. Se a senhora quer saber, a revista ainda escrevia Espanha com "H", disctricto, anedocta, somno, principaes, bellas, illusão, egreja, grammatica litterária, reugmathismo, typo, bicyclette, actriz, dansa, e avisão rera ainda um mysterioso aeroplano, o telephone era um estranho apparelho, cinema era cinematógrafo. Os assuntos bem curiosos estão dispostos em tópicos até agradáveis como Páginas de arte, Nossa terra, A sciência ao alcance de todos. Novidades e invenções, Romances, Contos e Aventuras, Percorrendo o mundo, Para recitar e Diversos. Longe de alcançar a ordem exigida pela imprensa moderna, a Eu Sei Tudo era realmente um repositório de informações como uma perfeita caixa de surpresas.

Claro que teria muito que comentar se fosse analisar toda a revista, principalmente no tópico de ciência ao alcance de todos, onde os redatores falam do aparecimento de um assucar luminoso de nutrição para obesos, anesthesia pela respiração rápida, e de cavalos vencedores de tuberculose, além de um aparelho electrico para frisar cabelos e de como se usam agroa as sombrancelhas e como os aviões podem provocar chuvas. Interessantes os textos sobre as Sacerdotisas de Terpsychore, as obras de arte vivas, o substancial almoço de uma serpente, a múmia conselheira, como se faz uma bailarina, e "os mais bellos olhos de scena muda". Como são lindos os retratos (ou fotos?) das artistas Pola Negri, Mae Murray, Betty Wrubel e Corinne Griffty! Como são curiosos os desmontes de ruas e mais ruas no centro do Rio na abertura da avenida Rio Branco.

Tudo muito adequado para a época, mas sensacional mesmo é uma bela reportagem sobre a arte de comer nos tempos de Luiz XIII, o glutão rei da França. Os artigos, se diferentes de nós do século XX ou quase XXI, tinham também o seu maneirismo, as suas etiquetas, o bom-tom elogiado pelos cronistas da época. Tinham, como não poderia deixar de ser, a maior consideração pelos costumes à mesa, dizendo até que uma boa refeição era um dos fins da existência humana, assunto primordial para a felicidade. Assim, não podiam deixar de cuidar da maneira de se comportar nessa grave circunstância da vida, fosse na casa de um rico burguês, num festim real, ou mesmo na rústica choupana de um plebeu. Aliás, nada melhor para ilustrar esses costumes do que as pinturas da época, de Abraham Basse ou de van Tillborg, também publicadas pela revista. Como não tenho espaço para grandes explanações, digo apenas que o prato principal era sempre o assado de carnes e que era proibida a presença de copos sobre as toalhas. Usados, sem nunca colocá-los na mesa, eram logo devolvidos aos que cuidavam do atendimento. Quando possível, a comida deveria ser engolida a seco!


101 DIAS DE SOLIDÃO

De repente, vem a vontade de escrever sobre coisas e acontecimentos que, distantes no tempo, ou não dizendo nada pessoalmente que nos toque, não nos deixam, porém, livres e descomprometidos. São ideias que permanecem nas fronteiras do consciente e ficam ali como lixas a polir nossa vontade, parece, marcando data para a eclosão natural e definitiva. Muitas personagens vivem e convivem assim conosco, companheiras do dia e da noite, principalmente das horas de meditação ou quando, distraídos, perdemos a medida do real e do pragmático. São os sonhos, as elaborações de pensamentos, o preparo para transferir ao papel da crônica o que passa dentro de nós. É talvez a forma que temos de compartilhar com o leitor o que temos em nosso íntimo.

Assim, nunca me saiu da cabeça a necessidade de escrever sobre o obstinado Amyr Klink, aquele rapaz paulista que atravessou sozinho o Atlântico, partindo do Sul da África e vindo de barco até a Bahia. Nunca pude esquecer-me dos cento e um dias de solidão de um homem tão jovem e tão corajoso, a ponto de realizar uma das mais difíceis aventuras do nosso século. No fundo, parece que, nunca tendo sido um solitário, nunca pude deixar de render minha solidariedade a alguém capaz de se isolar fisicamente dos seus semelhantes e ligar-se tão firmemente à natureza e aos seus perigos por tão longo tempo. Um grande herói o Amyr Klink, agora autor do livro "Cem Dias Entre Céu e Mar".

Dizem que não há tristeza maior do que a da solidão. Não sei se isso é verdade, porque um pouco de afastamento às vezes é até muito importante para todas as pessoas. Aliás, nada melhor do que um pequeno isolamento pessoal, quando podemos deixar nosso pensamento vago e etéreo, pairando sobre o nada, num descanso sem peias ou amarras do trabalho ou dos compromissos. Mas a tristeza ou a solidão de Amyr Klink foi bem diferente. Havia a tristeza do dia, da imensidão do céu, da claridade dos ventos salpicados de água marítima, e havia a solidão das noites, mas com a povoação de estrelas, o negro da escuridão ou os revérberos da lua, quando esta lutava de brincadeira com as ondas do mar. A solidão de Amyr Klink não foi uma solidão fantasma, pois os radioamadores de todo o mundo podiam, levar-lhe sempre palavras de carinho e de coragem, envoltas com o magnetismo de muitas e diferentes línguas.

Amyr foi um apaixonado por seu barco "Paraty", especialmente construído para a viagem, que seguiu naturalmente os destinos das correntes marítimas que, passando pelo sul africano, trariam inevitavelmente o nosso marinheiro até as costas da velha Bahia. Com ele, trocando sentimentos, também viajaram, cada qual a seu tempo, golfinhos exibicionistas, gaivotas curiosas e mágicas baleias fosforescentes, numa inédita travessia de sete mil quilômetros, das desertas costas da Namíbia às alegres praias de Salvador, a terra de todos os santos. Claro, que, neste caso, a solidão não foi tão grande, porque, embora golfinhos, gaivotas e baleias não falem, pelo menos sabem dar um bom sinal de ida e de acompanhamento. Existiu também um solitário navio com acenos da tripulação, o ar preocupado com a aventura, o oferecimento de ajuda que, de boa vontade, foi dispensada. Ou houve muitos navios?

Claro que houve também um bom número de tempestades, muita água vindo das ruas, bom número de relâmpagos, o estrondo dos trovões, as ventanias, as ondas maiores do que todas as medidas do barco. Mas nada disso desanimou ou poderia desanimar o mais solitário dos brasileiros e o mais destemido de todos os nossos marujos. E a viagem foi tão boa, tão rica de ensinamentos, tão confortável para a alma que, ao chegar a poucos metros das terras brasileiras, Amyr suspendeu o percurso do barco, descansou, e não teve a menor vontade de descer e andar. Afinal estava vivendo, no seu mundo, o mundo do céu e das águas!


PROFESSOR É ARTISTA?

Tenho certeza de que muitos colegas não gostaram quando eu disse, recentemente, num encontro de lingüistas, na UFMG, que o professor tem de ser, acima de tudo, um artista. Muitos se revoltam quando, pensando só no ordenado - sempre insuficiente - não vêem motivos par a desdobrar-se numa tarefa quase inglória, parte pela situação geral, parte pelo desinteresse da maioria dos alunos. Mas o que fazer senão gostar do que se faz e dar um pouco ou tudo de si para melhorar a situação geral? Quem deve ter maior juízo? São os jovens, os governos, ou os professores? Bom que fossemos os três juntos, mas, na impossibilidade, salvem-se pelo menos os mestres.

A lembrança do assunto devo ao trabalho da semana passada, feito pelo companheiro Benedito Said, em reportagem sobre aulas do Padre Aderbal Murta e de Baby Figueiredo Sobreira, na reciclagem de professores. Bons pensadores, abnegados ambos, falam os dois da muita experiência que têm no campo da educação, estudiosos e observadores sempre atualizados, a exemplo do que procura fazer também o Said, colega de muitas lutas a partir da Faculdade de Filosofia, no gostoso curso de Letras.

É realmente o professor agente de transformação social, agente de transformação do aluno. Cabe à escola modificar o jovem para melhor, trabalhando de tal forma que esta melhora venha de dentro para fora, uma espécie de autoburilamento, quando todas as possibilidades de crescimento mental e moral numa eclosão espontânea, normal teria como guia o amor. É preciso buscar o interior do aluno, incentivá-lo na exteriorização de suas virtualidades, fazê-lo compreender da necessidade do esforço continuado, interessá-lo no progresso, deixar claro que o sucesso é fruto de ingente força de vontade aplicada a cada dia. Aprender não é somente receber conhecimentos, mas, também, incorporar aos conhecimentos através da reflexão, da disciplina mental bem dirigida.

Material humano, sensível, sujeito às mais variadas reações, o jovem não é um robô. É preciso que ele seja conduzido, passo a passo, para o gosto do aprimoramento, uma espécie de prazer diante do conhecimento. Cabe ao aluno, antes de tudo, sua própria avaliação. Mas, para que ele saiba fazer isso, conscienciosamente, é bom e necessário que tenha as condições de raciocínio bem orientadas pelo professor, não nos esquecendo de que, para Pestalozzi, "educar é desenvolver progressivamente as faculdades espirituais do homem". Educar é tirar do interior, e nada se pode tirar de onde nada existe, ou quando o existente fica eternamente adormecido.

A diferença entre o sábio e o ignorante, o justo e o ímpio, o bom e o mau, procede de serem, uns educados, outros não. Ao professor cabe a grande tarefa de provocar o surgimento da verdade. É sua a responsabilidade, ninguém pode fugir de uma missão tão natural e, até certo ponto, de natureza divina, pois, educar é salvar.


VIAGEM AO RECIFE

Primeiro, diretamente para a cada de Nair e Manoel, numa fria manhã de Belo Horizonte, mas de grande calor humano, passando a limpo velhas conversas, matando saudades. Manoel me leva a Confins, de onde viajo para o Rio, em que ficarei algumas horas até pegar um voo europeu, que fará escala em Recife. De uma quente tarde de sol com que sonhara, lá e cá, na terra e no céu, o que existe é um tempo fechado, pingos de chuva, névoa, e uma chegada já noite adentro bem escura, um mundo de gente no aeroporto e quase ninguém nas ruas. Centro de cidade domingo à noite é fogo! Nem Recife se salva... Paciência, que a solução é ficar mesmo no hotel, buscar o descanso, já que amanhã é dia de muito trabalho!

Tudo bem com a vida, boa disposição, reencontro com o Nordeste, uma boa visão do Capibaribe, com os quarteirões fechados, um movimento assustador de camelôs, parecendo que o povo todo está aqui - gente atropelando gente - chego ao Banco para rever velhos e bons amigos, para conhecer outros que já-já, com passes de mágica, farão parte da minha família, o grande clã do Banco do Brasil. No elevador, encontro Leal, Maria de Jesus, Tiago, comigo bem calejados de muitas lutas. Na sala, as apresentações a Diógenes, Maria Luíza, Bila, de Pernambuco, de São Paulo, do Rio Grande do Sul. Mais tarde, chega Murilo, companheiro de Brasília. Cacilda, colega do Centro de Treinamento, aparece depois. Cada minuto é mais gratificante do que o anterior.

Se o dia é para o trabalho, a fadiga, as preocupações do ganha-pão, a noite é livre, sem compromissos, destinada ao conhecer e ao reconhecer, encontro com a paisagem, a visão das ondas do mar, a brisa, o vento, a cor e o som de Olinda com seus mil encantos, a gostosa vidinha de Boa Viagem, uma das praias mais bonitas do mundo! Em Boa Viagem, a moqueca de peixe, o molho de camarão, a cerveja geladinha, cinco amigos em torno de uma mesa para comemorar meu aniversário, antes e depois dos telefonemas das saudades distantes. Em Olinda, Maria de Jesus, Leal e eu por pouco não víamos o tempo passar, tão gratas eram as lembranças das nossas batalhas em Brasília, aqui, em Fortaleza, nesse mundão sem fronteiras de tanto Brasil!

Chega Olímpia, a mulher amada, aumenta o grupo, agora com Edileusa, Cléo, Carlinda, Nélson, Nelsinho, Luciana, mais e mais alegrias. Melhor do que viajar em torno de lugares é o andar e rodear em torno de pessoas. Na verdade, nada supera a boa amizade, o bom convívio, o enleio que só o conhecimento mais aprofundado do gosto e da cultura de cada um pode oferecer. Assim, a felicidade passa a ser uma condição natural, a alegria de uma constância que encanta e seduz, abstrações quase reais que dão a nota maior ao ato de viver. De uma hora para outra, para o cronista, a cidade de Recife se transforma no centro de tudo, uma capital de muita alma e coração!


SOBRETUDO PALAVRAS

Existe na cidade de São Paulo um cursinho de língua portuguesa destinado ao ensino de redação que dá, como único meio de aprendizagem, a contínua produção de poesias. Só poesias e nada mais, poemas sobre poemas, estrofes e mais estrofes de versos possíveis e impossíveis, com métrica e sem métrica. O universo de cada aluno é o eterno versejar, uma poetização do mundo e da vida, existam ou não existam vocações autênticas. Ninguém tem direito de não ser artista ou de não ter inspiração momentânea. Aquela estória de que aluno é o único redator que ter de escrever na hora em que não quer e sobre o tema que não pode escolher.

E por que o cursinho de São Paulo escolheu tão gostosa e musical forma de ensinar o processo de comunicação em língua pátria? Onde a vantagem da busca de rimas, da medida de sílabas, do procura-que-procura o balanço dos sons? Isso resolve alguma coisa ou revoluciona o ensino? O que o noticiário diz é que os alunos estão surpreendentemente satisfeitos e até, segundo demonstram, mais inteligentes a cada dia que passa. Dois motivos levam a isso: veem-se na obrigação de raciocinar em tempo integral e passam a valorizar muito mais a grafia, a sonoridade e o valor do significado de cada palavra, de cada vocábulo grande ou pequeno. Substantivos, adjetivos, advérbios, verbos com seus tempos e modos, números e pessoas, transformam-se em suave material de construção linguística, tudo uma graça!

Já imaginou como o mundo seria bonito e tão interessante se todas as pessoas se transformassem, de uma hora para outra, em dedicados menestréis, em declamadores, em jograis, em poetas? Já pensou se cada pessoa feia ou bonita, inteligente ou burrinha, se visse assim-assim no papel de musa inspiradora, foco da musicalidade da última flor do Lácio inculta e bela ou de outra língua qualquer?

Já imaginou como o mundo seria bonito e tão interessante se todas as pessoas se transformassem, de uma hora para outra, em dedicados menestréis, em declamadores, em jograis, em poetas? Já pensou se cada pessoas feia ou bonita, inteligente ou burrinha, se visse assim-assim no papel de musa inspiradora, foco da musicalidade da última flor do Lácio inculta e bela ou de outra língua qualquer?

Outra luz iluminaria o amor e a amizade, outros cantares fariam da natureza o cântico da imaginação! Aí a palavra reinaria absoluta e os dicionários seriam os livros mais importantes de todas as estantes e gavetas, de todas as bolsas de estudantes daqui e de alhures. Mais do que nunca a palavra seria realmente uma entidade viva e palpitante.

Fico pensando que essa ideia dos professores paulistas deveria ser imitada urgentemente, como se faz naqueles projetos de esforço concentrado que os nossos deputados e senadores aprovam madrugadas adentro para não deixar para outro dia. Vencedora a palavra, amanhã os nossos valores seriam outros. Trabalho, competência, ideia, talento, amor, luta, democracia, honestidade, gente, fé, informação, povo, paz, arte, livro, liberdade, imprensa, fraternidade, justiça, esperança cultura, todo o universo de vocábulos seria a argamassa para a construção da vida.


UM SONHO NA MADRUGADA

Normalmente, chegávamos à casa do professor José Oliveira Fonseca, na Rua Carlos Pereira, às cinco da manhã. Todos os dias, de segunda a sábado, lá estávamos para a aula de análise sintática e de outras questões mais objetivas da língua portuguesa. Não éramos muitos, mas, éramos bastante curiosos e interessados, principalmente o Mauro Lafetá, o Corbiniano Aquino, o Afrânio Nogueira, o Adil Oliveira e eu. Eles, candidatos ao vestibular de Direito em Pouso Alegre ou Niterói; eu, estudante do curso de Letras, aproveitando a maestria do professor Fonseca, o melhor que passou pela matéria em Montes Claros.

Era um tempo excelente, alegre, pleno de maduro entusiasmo, sonhos de pessoas que, a certa altura da vida, sabem o que fazer e com que se ocupar. O Afrânio acabava de deixar as aulas de primeiro estágio do Madureza e já cursava, à noite, as últimas unidades para enfrentar o segundo grau, num esforço tremendo de ano e meio entre a escola primária e a universidade. O Mauro, com toda aquela pose que Deus lhe deu, sério, compenetrado, sonhador, quase já exigia que o tratássemos de doutor. Era tudo uma beleza, embora o professor nunca nos tenha dado um cafezinho para espantar o sono do levantar tão cedo...

Foi por aí, madrugadas em transformação de aurora, manhãs de gostoso friozinho para pouco agasalho, que o professor e nós fizemos as primeiras propostas para a fundação da Faculdade de Direito. Entre uma análise e outra, entre um verso e um substantivo, uma nova observação sobre o futuro da segunda faculdade de Montes Claros. Quem estaria disposto a colaborar? Com quais advogados poderíamos contar para a formação do corpo docente? Quem poderia ser o primeiro diretor? Onde funcionar? Onde buscar apoio financeiro? Eram perguntas e mais perguntas, tão constantes e tão assíduas como os próprios formuladores. Não durou muito tempo a temporada de sonhos e cogitações e, em menos de um mês, já estávamos, na rua, buscando apoio, tendo-o encontrado no deputado Lezinho, tio do Mauro e homem próximo ao Governo, e no Inspetor José Monteiro Fonseca, que ficou mais entusiasmado do que nós próprios. A luta tomara corpo, criava-se do espírito de séria decisão. O Mauro cada vez mais encantado e, antecipadamente, vitorioso.

Iniciamos as primeiras consultas aos principais advogados, através de uma comissão - Mauro, Afrânio e eu - num desdobramento de trabalho feito antes por Francolino Santos e Corby. Ninguém pode imaginar nem prever as reações humanas e profissionais diante de um desafio. Quem poderia calcular onde estaria o interesse pessoal, o desprendimento, o entusiasmo ou, ao contrário, o medo de futura concorrência? Quem poderia acreditara naqueles sonhadores, querendo fazer as coisas de baixo para cima, invertendo toda a lógica aceitável?

Realmente, diante da proposta, futuros mestres mostraram-se ora alegres, ora tristes, na maioria das vezes terrivelmente irônicos. "Quem" era mesmo que queria fundar uma faculdade de direito em Montes Claros? Que saberiam aqueles três sobre espírito universitário? Loucos, era o que pensavam que éramos... Por que não iam estudar por correspondência como fizeram tantos outros, passeando de vez em quando? Seria mais fácil do que criar uma escola...

Dois fatores tornaram-se importantíssimos em nossa luta: O JMC ficou contra, afirmando a não necessidade de formação de novos bacharéis, o mundo já estava muito cheio de advogados; apareceram interessados em nosso trabalho o professor João Luiz de Almeida e os deputados Francelino Pereira e Cícero Dumont. Doutor João cedeu-nos as instalações do Instituto para funcionamento da escola e se dispôs a ser o primeiro diretor; Francelino levou as ideias e os planos ao governador Magalhães Pinto; Cícero organizou os estatutos da Fundação.

Ninguém poderia segurar mais. O contra e o a favor estimularam ainda mais nossa frente de batalha. A reação da imprensa provocou um desafio, a ajuda dos amigos poderosos deu o tempero que faltava.
Hoje um final feliz, com a Fadir completando vinte anos! Tenho bem guardadas as gravações do dia definitivo da fundação, reunião realizada na Rua S. Francisco, na Delegacia de Ensino, sala de trabalho de José Monteiro Fonseca!


ESCREVER UM JORNAL

Recebo em meu local de trabalho um envelope de O JORNAL DE MONTES CLAROS com um recado datilografado do Waldyr Senna, dizendo tratar-se de assunto que só eu poderia resolver, pois, diretamente ligado a um meu protegido. Dentro do envelope o JMC, outro envelope endereçado com letra ainda tateante, com jeito de escrita primária, embora as sílabas estivessem todas bem definidas com espaços uniformes, coisa de quem tem costume e treino de escrever com certa regularidade. O aspecto gráfico nem bonito nem feio, de alguma forma semelhante a centenas de manuscritos de rapazes e mocinhas de nossas escolas secundárias e, quem sabe, até de gente de grau mais adiantado... Espanto, quando veio o Jornal passando-me problemas que deveriam ser seu, e só venho entender tudo quando termino a leitura e reconheço a assinatura de Paulo Tarcísio Silva.

A minha primeira reação é sorrir da malícia do Diretor, transferindo-me o que para ele deveria ser uma 'batata quente', dessas que chegam quase diretamente à Redação, de gente que deseja aparecer a qualquer custo, vendo as suas produções publicadas em letra de forma. 'Venho por meio desta carta falar com o senhor que eu estudei Jornalismo através das Escolas Associadas de Cursos Livres', apresenta-se o Paulo Tarcísio. 'E tenho escrito várias coisas e ao mesmo tempo aperfeiçoando em novos conhecimentos'. 'Eu queria que o senhor me desse algumas explicações e detalhes, qual seria o meio mais fácil para ir iniciando a profissão, talvez até como colaborador'. Conversa fluente, direta, humilde porém firme, Paulo Tarcísio identifica-se e diz a que vem. Quer ser jornalista, pede a indicação do melhor caminho, explicações com detalhes que a escola livre não lhe ensinara por correspondência.

'Tenho vários amigos, ingressados na carreira jornalística, entre eles destaca o senhor Wanderlino Arruda, que eu considero como um dos meus maiores incentivadores'. É aí que o missivista me coloca na história, dando-me, naturalmente, uma parcela de responsabilidade no seu entusiasmo, um como que avalista intelectual do seu trabalho ainda escondido para os olhos dos leitores. 'Peço ao senhor se for possível pelo menos me indicar os endereços de outros jornais de Janaúba, Brasília de Minas, Pirapora, Januária, Bocaiúva. Talvez eu entre em contato com eles e consiga exercer esta tão sonhada profissão. Se eu for atendido, ficarei muito grato ao senhor'.

Apresentava a carta em seu inteiro teor, simples e direta para não deixar ao jornal a pergunta de 'ora vós quem sois', Paulo Tarcísio assina deixando antes um desejo de 'felicidade' ao destinatário. Sei que o leitor também a esta hora pergunta o que há de estranho numa pessoa que, desejando exercer uma nova profissão, pede ajuda e orientação. O espanto do Jornal talvez esteja no aspecto geral da escrita e em algumas imprecisões de linguagem que, na transcrição, deixei para trás. Também porque o Paulo Tarcísio não quer só a publicação da sua carta, como é o costume dos leitores que escrevem ao Jornal. Ele quer ser jornalista, se não possível em Montes Claros, pelo menos em cidades menores da nossa boa vizinhança, para ele mais adaptadas à sua humildade.

Meus esclarecimentos finais para o Jornal e para os leitores. Paulo Tarcísio Silva é realmente meu amigo, e tenho dado a ele os incentivos que ele merece. Não é um jovem, na expressão mais pura da palavra, deve ser homem dos seus vinte e cinco para trinta anos. Não teve escola regular, estuda como pode em cursos noturnos ou por correspondência. Lê muito e diariamente, inclusive não perde um número de O JORNAL DE MONTES CLAROS. As suas leituras são feitas de manhãzinha, na hora do almoço, ou depois do banho de torneira à tarde, quando sai do serviço. O seu sonho é realmente ser um intelectual, se possível estudar Direito, para usar, mais tarde, terno e gravata, falar bonito, empolgar as multidões. O jornalismo será uma forma de chegar lá! Paulo, no momento, ainda não pode deixar a sua profissão, mas o fará quando lhe for possível. Ainda exerce o pesado cargo de servente de pedreiro. E vive suado todas as horas de sua vida...



Você é de classe média?

Tenho um amigo que nunca admitiu ser pobre ou da classe média, sempre se disse rico, desde os velhos tempos de balconista da Casa Luso-Brasileira. É o Adauto Freire, que também passou pelo Banco Hipotecário, pelo Banco do Estado de São Paulo, de há muito no Banco do Brasil. O Adauto, quando precisava procurar um Banco qualquer para um empréstimo, vestia a melhor roupa, normalmente com "esse-cento-e-vinte" ou um "aurora", punha gravata duplex, sapatos de cromo, e lá ia bem barbeado, espelhando boa situação, uma riqueza sem igual. Dizia ele que gerente nenhum gosta de gente pobre, com ar triste de precisão, língua de fora, afobado, cara-de-quem-pediu-e-não-ganhou. Gerente de banco é doido, doidão com clientes ricos, bem apessoados, com jeito de quem é dono do mundo, derramando prosperidade. Era só ir com onde de grã-fino e arranjar dinheiro, às vezes apenas com um avalista.

Não foi uma vez nem duas que o Adauto arrancou dinheiro fácil dos gerentes Armando e Calixto, no Banco do Comércio, de João Damásio, no Bancominas, de Chico Pires, na Caixa Federal, de Meinardo, na Minascaixa, até de Cursino, no Banco do Brasil, e Waldemar Heyden, no Nordeste. Era um sucesso! Bem diferente do que acontecia comigo, com o Tereziano Dupin, com o Juarez Antunes, com o Fulgêncio, com tantos outros que vestiam espelhando a realidade, falavam como se daquela conversa dependesse a salvação do mundo. Para o Adauto, tudo; para nós, quase nada! Só depois que o Teresiano descobriu que chamando o Chico de doutor, tudo ficou mais fácil e conseguimos vantagens sobre o Adauto, pelo menos por algum prazo, até que ele aliasse a riqueza aparente à diplomacia!

Penso hoje em como tudo mudou, até quando o próprio Adauto já acha que o melhor mesmo é ser classe média, muito embora diz ele que ser rico é alguém estar satisfeito com o que tem. Já não se faz mais tanta força para aparentar riqueza, todos já se satisfazem com o trivial, deixando as exibições apenas para os "nouveaux-riches", deslumbrados da vida. A virtude acabou ficando no ponto do fiel da balança: nem miséria, nem riqueza. A classe média passou a dominar, e dominar firme, sem concessões. Agora, todos os controles, toda a rigidez no planejamento das despesas, a moderação constante, a passagem longe das gerências de bancos, a distância das carteiras de empréstimo. Pagar juros, a última coisa! Cada um tem que viver como pode, abaixo a ostentação!

Chego ao fim do meu espaço e acabo não falando o que queria sobre a classe média, isto é, descendo a detalhes de como enfrentar a crise, como fazer ginástica para sobreviver. Deixo para outro domingo, guardo as minhas anotações, as minhas receitas de solução, que ninguém perde por esperar. Até a volta ao assunto, quem quiser conselhos, não peça ao Adauto, que ele não gosta de coisas tristes. Afinal, para que um RICO falar de economias?


Um momento de pura ternura

O dia, eu me lembro bem, era sábado, um sábado de muito sol sem exagero. A hora era mais ou menos naquele tempinho em que a gente começa a ter vontade de tomar café, depois de uma pausa do almoço, quando já não se lembra mais do gosto gostoso de alguma coisa de que se tenha gostado. Digamos, assim, pelas duas e meia para as três horas, porque não é preciso ficar olhando para relógio a todo instante, ainda mais num sábado ou num domingo, que não é dia do patrão. O que é importante é que é hora de alegria, hora agradável quando me vejo muito mais em paz com a vida, sem nada para me preocupar, compromisso nenhum, hora de ver e ouvir o real e até o imaginário.

Do local também me lembro, porque uma rua alegre, bem larga, compridona de alongar a vista, um pequeno declive de modo a não deixar água parada, um bonito reflexo da luz que forma um fio de espelho a demarcar silhuetas de árvores e plantações, de casas e casebres. O nome da rua? Eu sei o nome da rua, mas não desejo citá-lo porque rua com nome fica muito pessoal, às vezes é bom não identificar o lugar dos nossos sonhos. O bairro não faço segredo, é o bairro Jardim Palmeiras, lá bem atrás do Batalhão, ao lado do Delfino Magalhães, ruas cheias de gente, de poucas esquinas, porque quarteirões bem grandes.

Eu estava sentado dentro do carro, no banco do motorista, rádio ligado em música suave, num momento de sorte, distraído, enquanto esperava por um amigo que entrara em casa vizinha. Dedilhava o volante acompanhando a música? Acredito que sim, porque existem momentos em que a gente faz de tudo, vê tudo, e acaba não vendo nada, como se num estado de êxtase ou em gratificante distração, tudo vago e sem compromisso. Na verdade, sem fixar muito a objetiva no foco da atenção, eu via tudo naquele sentido maior da própria universidade. Via a vida e os viventes, via o mundo e as coisas do mundo, via as cores e os coloridos que as coisas permitem ver. Bons momentos aqueles de felicidade!

E vendo tudo, eu vi um monte de tijolos, pertinho de um monte de brita e mais perto ainda de um montinho de areia. Do fundo do quintal, sério e compenetrado, sai um homem, senhor com aparência de cinquenta anos, ninguém sabe pai ou avô. É tempo de trabalho e o serviço é carregar de fora para dentro o material de construção, que ele faz com movimento firme da pá, do chão para dentro de um carrinho de ferro. Completava a carga, nem olha para os lados e segue, pesadão. Duas ou três vezes, a mesma coisa, e parece encarar tudo como trabalho normal, uma espécie de complemento do que fez durante toda a semana, sem nada de novidade.

Agora, porém, tudo é diferente; quando na volta do carro vazio, dois garotinhos pegam carona, de pernas encolhidas e mão para cima em atitude de aplauso, sorridentes, falantes, de costas para a roda, para que pudessem olhar e agradecer ao condutor. Repetidas muitas vezes a cena, alegria graduada, felicidade bem à mostra, o velho fica cada vez mais em participação com a vida, serviço passa a ser encantamento, hora de trabalho transforma-se em momento de lazer. Nada mais lindo do que uma atitude de amor, um gesto de ternura, o entrelaçar de simpatias, uma ligação de puro afeto. Fico para do e o mundo desaparece do meu campo de visão nada mais existe além das três personagens e do pequeno grande cenário de carinho e amizade. A vida alcança, aí, a mais expressiva forma de sentimento e valor. Viver é maravilhoso!


Primo das palavras

Cada um tem o gosto que tem, isto é, gosta do que quer gostar, tem suas preferências de como melhor ocupar o tempo, viver a vida, dar vida à existência. Quem gosta de comer, comer muito, fica gordo, e às vezes até uma gorda bonita, luzidia, com gordurinhas bem distribuídas para ninguém botar defeito. Quem gosta de resolver os problemas do mundo, saber de tudo, acompanhar a vida pública e íntima das personagens principais do atual drama do Brasil e do Mundo, sai à rua, lê jornais, frequenta o "quarteirão do povo". Quem aprecia de corpo e alma fazer negócios, tomar e emprestar dinheiro, comprar e vender loterias, ver gente alegre e gente cansada, fica na Praça Doutor Carlos, do lado da Rua Quinze e na descida da Doutor Santos, pois, lá tem de tudo. A vida e o viver estão aí desde quando amanhece o dia até a madrugada, para quem queria deleitar... ou sofrer...

Tenho um amigo e companheiro que, bom apreciador da cultura, gosta de palavras, gosta imensamente da inventiva social que dá cobertura significativa e fonológica a tudo que existe no mundo. Admira sinceramente a capacidade que o povo - ilustrado ou não - tem de nomear as coisas, revestir as ideias, inovar, polir o pensamento, colorir a semântica do pobre e do rico. Todas as vezes que Florival Rocha Primo encontra ou descobre uma nova palavra, lá vai ela anotada para respeitoso exame da memória ou do dicionário, a tomar posição importante no seu mundo de conhecimento, passando daí para a frente a ocupar um papel principal ou de coadjuvante, dependendo da importância. Primo, bem que poderia ser nomeado caçador de palavras, pescador de preciosidades linguísticas, reitor dos significados da última flor do Lácio, tão boa é sua disposição...

Muito tenho aprendido com o Primo, que nunca me nega uma palavra, boa ou má, em hora nenhuma! E o mais interessante é sua alegria, quando, ao trazer-me uma curiosidade, demonstro já conhecê-la, prestando-lhe informações, porque, bem mais velho do que ele, às vezes tive oportunidade de ver primeiro. Uma palavra tem vários aspectos tanto para o Primo como para mim, ou melhor, para as nossas manias. Não é só o simples vocábulo que interessa, a palavra nuinha, pelada, sem as roupagens da sua apresentação em público ou nos recessos dos livros. Procuramos ver sua história, por onde tem andado, de onde veio, em que companhias tem vivido, se é velha ou se é nova, portuguesa ou brasileira, ou se vem de outras paragens. Uma palavra para o Primo, para ser palavra de verdade, com "status", tem de trazer carteira de identidade, passaporte, atestado de vacina, uma nobreza natural, que não seja vulgar, porque palavra vulgar tem de ter pelo menos um pedigree, como gostava de dizer meu também amigo Geraldo Lourenço.

É assim a vida... Parece até que estou falando do Primo, do seu gosto de pesquisa, da sua amizade com o vocábulo, da sua curiosa mineração, para dizer que cada "doido" com sua mania... Creio que é até para dizer mais, que a minha identificação com o Primo, com o Haroldo Lívio, com o Georgino Júnior, com o Reivaldo Canela, "loucuras" de vários e diferentes quilates, têm sido de valor inestimável, tão interessante que ainda não encontramos uma palavra certinha para revestir o significado desses acontecimentos.


É preciso conhecer o Beirute

No dia seguinte à primeira vez que fui ao Beirute, a maioria dos colegas da minha sala me cobrava, sem parar, a narrativa de uma das três versões que criei para contar a estória de nossa aventura que durou até o início da madrugada. Até parecia uma notícia de sucesso, tal era a sofreguidão e o interesse que eles demonstravam pelos acontecimentos e, principalmente, pela descrição das personagens, todas, parecem, tiradas de uma ficção surrealista. é que o Beirute, à primeira vista, é um lugar diferente de qualquer outro lugar do mundo, uma espécie de cenário de filme de Pasolini, tal a diversidade de tipos físicos e psicológicos, uma fauna humana de deixar boquiaberto qualquer cristão, mesmo os menos curiosos.

Cristina havia avisado que eu iria gostar muito, como pintor ou caçador de coloridos, ou mesmo como pesquisador de caracteres para futuras composições literárias. Além disso, por que não estudar a nossa própria mesa, que também não seria diferente das demais e talvez até alvo de maiores observações por parte dos outros? Não é todo dia que estarão, lado a lado, o Jorge Fensterseifer, o Kalunga, o Iasbek, o Ludgero, ela, Cristina e eu, individual e conjuntamente até mesmo estranhos. Jorjão, cento e cinquenta quilos, Kalunga e Ludgero, barbudos, lasbek nunca teve um pente na vida... Cristina um metro e oitenta de beleza e graça, e eu já passando de careca, todos nós formando um grupo prá lá de gozado. Acho que é por isso que andavam olhando tanto para nós!

Mas por que o Beirute é um lugar diferente? Pelo ambiente que poderia ser, pesado não é, pois as coisas andam até em ordem e um tanto para o familiar, com as presenças de mães e filhos das mães, jovens donzelas loiras e vaporosas em flor, intelectuais de gravata de borboleta e camisa de mangas compridas, senhores respeitáveis até onde o respeito pode ser visto ou ouvido de perto. O Beirute, acredito, deve ser o lugar mais democrático do mundo, um território livre na 109 Sul, de Brasília, onde cada qual vive momentos de alegria e descontração, uma ternura que só um papo amigo pode oferecer. A comida árabe, os quibes, as lâminas de pão, os patês, o chope bem geladinho, tudo formando uma atmosfera bem agradável. Um mundo à parte do resto do mundo!

Já voltei lá várias vezes e nunca perdi o interesse pelas novidades. Como foi agradável quando lá estivemos o Nivaldo Voigt, gerente do BB de Manaus, a Vera, de S. Miguel do Iguaçu, a Ivone, da Freguesia do Ó, e eu! Como foi bom, quando depois de muita propaganda, levei lá a Olímpia e a Ana Irlanda e escolhendo um prato de complicado nome libanês, recebemos espetinhos de filé bem brasileiro!

Nunca me cansarei de ir ao Beirute, e, se possível, sempre depois das dez da noite. É depois dessa hora que a galeria se movimenta e as cabeças ficam mais soltas. Tudo será novidade!


Escrever sobre você

É claro que eu gosto imensamente de escrever sobre pessoas, na maioria das vezes, falando bem, dizendo das qualidades positivas, do esforço pessoal do gosto de viver, das santas "loucuras" que fazem de uma personalidade um segmento útil ao meio social em que vivemos. Gosto de coisas e falo de coisas, de acontecimentos, principalmente dos pequenos evenos que só ao observador aparecem na impressão e no registro das retinas. Mas na verdade, meu prazer pessoal é mesmo falar de gente, gente simples, gente bem-intencionada, gente que, mesmo errando, tem sempre o mérito de buscar o acerto para o bem comum. Falo sempre dos meus amigos, vivo as minhas lembranças, procuro em cada fato o lado colorido, de musicalidade melhor. E faço isso conscientemente, sem medo de repetição, sem temor de crítica, certo de que é preciso que alguém escreva sobre o lado bom, o lado alegre da vida, sem o pessimismo dos editoriais, e sem o sangue das últimas páginas dos jornais refestelada de crimes e espertezas.

E como escrevo sempre falando bem das pessoas, encontro muito comumente amigos que ficam satisfeitos, que ganharam novo alento existencial vendo reconhecidos seus méritos, vivenciadas suas lembranças queridas, suas saudades. Não há medida humana para um sorrido de alegria, um sentimento de amizade reconhecida, um mimo na vaidade que cada um traz bem escondida no recesso da alma. Bem entendido, que não gosto de falar dos vaidosos, dos que só podem brilhar pela força da riqueza ou da prepotência, verdadeira ou falsa. Nada pior do que os deslumbrados, os almofadinhas do corpo ou da cultura. O bom da vida é a naturalidade, o toque familiar, as características de berço, não importando se esse berço seja nobre ou plebeu, que riqueza e raça não fazem ninguém. O bom da vida é o esforço de aceitação ou adaptação às regras do comportamento civilizado. O bom da vida é ter família, criaturas amigas a quem respeitar, a quem oferecer ou de quem receber conselhos, aprovação, carinho. Isso sim é ser gente boa, e elas existem em todas as camadas sociais e em todas as profissões, úteis e aceitáveis no progresso do mundo.

E vem você e pede-se que escreva sobre sua pessoa, o que acho, o que penso sobre seu modo de viver, seu papel nesse belo teatro da vida. Vem você com o lindo desejo de ser fotografada em palavras, contida magicamente como personagem no mundo dos adjetivos, na força das formas verbais, ente colorido e diáfano do sono ou da realidade do cronista. Vem você e me põe em aperto, por escrever de forma dirigida, com determinação pragmática, pois, sei muito bem que a crônica deve ser, antes de tudo, espontânea, fluídica, leve, tão livre como a brisa ou o olhar dos quinze anos de uma menina-moça! E o que dizer? O simples fato de escrever sobre amigos já indica que gosto de todos, que aprecio suas qualidades, que tolero seus defeitos, que os vejo com os olhos de quem julga certo, naquele lado honesto e justo de cada um. É claro que você é importante, tão importante e eloquente na vida que, sem você, o mundo não seria o mesmo, seria um mundo menor, sem uma pessoa sinceramente interessada na vida.

E, dito isso, desejo-lhe um mundão de felicidades, a certeza de fé em um destino bom, aquela perpetuidade de sobrevivência da alegria, o sentir de que nunca estamos isolados como criaturas do Poder Divino. A vida, hoje triste, amanhã estuante de sentimentos positivos, será sempre um manancial de amor! O ato de viver, por mais simples ou complicado que seja, é sempre agradável e gratificante. Basta dizer que, de todas as realidades existentes, a mais concreta é a vida, tão concreta que a próxima morte não passa de mera transformação para uma vida maior! Não percamos tempo, sejamos felizes, que essa é nossa finalidade, aqui e em qualquer parte!


Leonardo Da Vinci

Uma das mais notáveis inteligências que a humanidade já teve em toda sua história. Uma habilidade intelectual e manual que - juntas - nem antes nem depois, jamais foi superada. Leonardo, o mestre Da Vinci, foi realmente um artista de talento. Em todos os sentidos, tanto na qualidade como na quantidade de criações. No espaço e no tempo, de tal modo que se coloca magistralmente até em nosso século, com invenções até hoje sendo incorporadas ao nosso acervo de cultura e de utilidades. Há pouco tempo, um caderno de rascunho de sua lavra foi vendido por milhões de dólares num leilão de raridades. Desenhos, projetos, receitas de inventos, tiradas filosóficas, conselho sobre artes e saber da vida, tudo com valor de hoje.

Não houve campo de especulação humana por onde não passasse o seu gênio. Assim, passou pela botânica, pela hidráulica, pela arquitetura, pela estratégia militar, fez mergulhos pelo mundo submarino e revoadas pelos ares. De sua prancha saíram desenhos de helicópteros, armas de guerra, hélices de navios, coletes salva-vidas. De seus lápis e pincéis apareceram belezas de formas e de cores de nenhum modo ultrapassadas, nem antes nem depois, talvez em tempo algum. Na escrita, o livro "Breviários", repositórios de notas dos cadernos, oferece-nos trechos que podem ser aplicados tanto na escola como na vida. São observações de eterno interesse.

Em qualquer avião moderno de passageiros, os coletes salva-vidas são de sua receita: "Para salvar-se de naufrágio, precisa-se duma roupa de couro que tenha as paredes do peito em dobro com a espessura de um dedo e que seja igualmente duplicada da cintura aos joelhos. Ao caíres no mar, sopra para dentro e deixa-te ao sabor das ondas. Na boca deverás ter um canudo que ligue com a roupa, por onde deverás receber ar, quando a espuma te impedir de respirar".

Sobre pintores que se queixam da vida: "Há uma classe de pintores preguiçosos que querem viver só sob o ouro e o azul; alegam ingenuamente que não trabalham bem porque são mal pagos. Gente reles! Não sabem fazer nada que preste, mas dizem: esta está bem paga, mas esta outra é medíocre e aquela é devido à casualidade; mostram assim que têm obras para todos os preços. Assim, pois, pintor, tem cuidado que o afã do lucro não prevaleça sobre a honra da arte: a conservação desta honra é mais importante que o prestígio das riquezas".

A respeito das cores na pintura: "As cores, de longe, são ignoradas e imperceptíveis. Para desenhar o realce é mister que o olho do modelo esteja na mesma altura do olho do artista. Isso fará com que a cabeça fique natural, pois os transeuntes com quem cruzas na rua, todos têm os olhos à altura dos teus e se os fizesses mais altos ou mais baixos, teu retrato não seria nada parecido. As roupas devem desenhar-se do natural. Os velhos devem parecer preguiçosos e de lentos movimentos, as pernas vergadas nos joelhos e os pés aleijados, a espinha curvada, a cabeça para a frente e os braços pouco estendidos. as mulheres em atitudes modestas, as pernas fechadas, os braços juntos, a cabeça baixa e inclinada. As velhas devem ser representadas atrevidas, com movimentos vivos e raivosos, com fúrias infernais: os movimentos dos braços mais vivos do que os das pernas".

Uma definição de paz: "Dizem que o castor, quando perseguido, por saber que seus testículos possuem virtudes médicas, não podendo mais fugir, para, depois de fazer as pazes com os caçadores, corta os testículos com seus dentes agudos e os deixa com seus inimigos".
Uma definição de avareza: "Avareza é a do sapo que come terra, mas nunca tanto quanto deseja, com medo que acabe".
E sobre a arte, centro de sua vida: "A pintura sobrepuja todas as obras humanas pela sutil especulação que lhe pertence. Se vós, historiadores, poetas, observadores, não tivésseis visto com os olhos, nada poderíeis referir em vossos escritos, que são nascidos da pintura".


A poesia do Baiano Cotrim

De quando o homem se viu colocado na primeira manifestação literária, mesmo antes do texto escrito, a melhor forma de arte que encontrou foi a fala poética. Inicialmente, pelo menos em português, o verso paralelístico, a cantiga de amor, a cantiga de amigo, a cantiga de maldizer. Poesia para ser cantada, repetida de memória em portas de hospedarias, nas tabernas, à beira das estradas ou nos palácios reais, o poema de amor à gente ou à terra, sempre com laivos de emoção e sonoridade que só o verso pode ter. Assim, o poeta, homem ou mulher, jovem ou velho, mas apaixonado pelo musical da língua, nunca pôde fugir do bom e do gostoso da arte de poetar. E como Deus fez o mundo com luz, o versejador fez o idioma com versos. E a poesia foi feita...

É por isso que Dário Teixeira Cotrim, falante do mesmo idioma de El-Rei Dom Dinis, de Paio Soares de Taveirós, de Camões, de Bilac, de Fernando Pessoa ou de Cândido Canela, também há de cometer seus versos, cantando a velha Bahia, sentindo no peito a necessidade de extravasar-se na paixão do menino e no namoro do adolescente. Vive a natureza pura, adoece de saudade com os mesmos sintomas de todos os poetas, sofre e canta o sofrimento. É a tradição dos que amam acima da linha de nível do amor comum. Dário Teixeira Cotrim ama a terra, ama o povo e se embeiça pelo amor do próprio sangue, da própria raça interiorana de baianos de fé e de coragem.

"A Casa Grande de Mãe-Veia" é, pois, um canto de pura saudade, um rememorar de eternas lembranças dos companheiros de meninice, dos parentes mais velhos, da escola primitiva, do background de um tempo de vida alegre e descompromissada, sem horários, sem livros de pontos, sem dígitos e sem teclados, onde o computador de hoje era o mundo de rios, morros e montanhas, pedaços de capão-de-mato. Dário Teixeira Cotrim foi sempre um saudosista, um vidente ao contrário, muito mais de passado, muito pouco de futuro. Se o presente é bom, o pretérito é melhor, é mais rico, mais prenhe de sutilezas com infinitas doçuras de mocidade. Na sua memória, a igrejinha, o curral, a estrada, as cercas com lonjuras de acabar de vista, os pastos, os animais dentro dos pastos, as nuvens despidas de sol ou carregadas de chuvas, o amanhecer, o crepúsculo, os brinquedos de roda, do pega-ladrão, do fazer-a-gata-parir, o montar em pelo, o banho de rio e de lagoa, a arapuca, o quebra, o estilingue, o bodoque o eterno buscar umbu quando umbu está começando a amadurecer. Tudo num mundão de sonhos e de doces realidades, que só o interiorano conhece.

Fez muito bem o poeta em poetar sua poesia. Modesto, diz que não quer fama, não espera vender o exemplar na livraria, não pensa em edições milionárias e de luxo. Dário Teixeira Cotrim quer sua poesia na boca e no coração do seu povo, dos seus amigos e colegas de banco, mas sobretudo, na boca do povo baiano de Ceraíma, que teve a felicidade de nascer ali perto da casa grande de "Mãe-Veia". Se esses baianos lerem seu livro, senti-lo e com ele se emocionar, tudo bem, o esforço foi pago, o poeta viverá feliz. E mais vale a felicidade do poeta e da gente do seu sangue, que o dinheiro de todos os ricos! Viva o amor!

E eu, como amigo e companheiro de lutas, também me sentirei gratificado. E muito!


..... Corrente pra frente

Sempre pensei que a mania de fazer e enviar correntes, diretamente ou pelo correio, para amigos ou para conhecidos, fosse uma dessas qualidades ou defeitos genuinamente brasileiros, um desses jeitinhos de levar alguma vantagem ou fugir de um supersticioso perigo desconhecido. É que a corrente, sempre feita em número de meia dúzia, manuscrita ou datilografada, contando uma estória de origem, motivos de princípio, de meio e de fim, sempre contendo ameaças a quem cometer a ousadia de interrompê-las. "Um fulano de tal não quis multiplicar a corrente recebida e enviar as cópias aos amigos e... caiu de avião, batendo numa serra do litoral, esborrachando-se, mergulhando no mar. Outro não deu prosseguimento em duas que recebeu e perdeu o emprego, passando a rechear as estatísticas dos desocupados. Outro fez tudo direitinho e... marcou os treze pontos na loteria esportiva, sozinho e bem acompanhado e, ainda por cima, tirou o primeiro prêmio na federal".

Correntes, correntes, já as vi de todas as maneiras possíveis, destinadas a ricos, a pobres e à classe média, baixa e baixíssima. Já as vi com todo tipo de redação, partindo de gente que entende, de gente que pouco mais sabe do que fazer um "o" com fundo de garrafa. Há daquelas correntes que chegam em envelopes baratos, capeando desmoralizadas notas de um barão, daquelas amarelinhas, que nenhuma criança aceita mais, nem por brincadeira. Há as que já estão sendo programadas por computador, controladas em listagens sofisticadas, encaminhadas eletronicamente mediante pagamento de comissões e corretagens, com "satisfação garantida ou seu dinheiro de volta", como se fossem de vendedoras de eletrodomésticos. Tudo muito interessante e bastante curioso...

Não foi pequena minha surpresa, quando recebi, há poucos dias, de minha amiga e samideana Maria Goretti Neves, uma corrente realmente internacional, com passagens por vários países destinada a esperantistas, tendo como agrado o recebimento, em linha final, de centenas ou milhares de cartões postais. Iniciada na Alemanha, seu exemplar foi remetido por correspondente que ela tem na Polônia, o primeiro nome endereçado para o sul da Rússia.
Fiquei curioso e interessado, e lá vão correntes redigidas em esperanto para amigos meus moradores na Suécia, nos Estados Unidos e na França, além de outros que moram aqui mesmo nesta cosmopolita Montes Claros.

Mas, de todas as correntes, a mais interessante que recebi na longa caminhada da vida é a que passo a transcrever, nenhum comentário fazendo, e deixando a apreciação por conta do leitor que, a partir de agora, passa também à condição de destinatário. E que faça bom proveito. Ei-la:

"Esta corrente foi feita para homens comprometidos e esgotados como você: não é necessário dinheiro. Faça 5 (cinco) cópias e mande para seus amigos na mesma situação e que sejam de inteira confiança. Em seguida, empacote sua mulher e envie para o primeiro da lista, acrescentando seu nome em último lugar. Quando seu nome estiver no primeiro, você receberá 16.478 mulheres, e algumas delas poderão ser interessantíssimas. Não quebre a corrente. Um sujeito quebrou-a e recebeu a mulher de volta. Um amigo meu já recebeu 18. Hoje, foi o enterro dele. Tinha nos lábios um sorriso nunca visto durante toda a sua vida... Mantenha a corrente e morra contente".


De novo, na Idade Média

Voltando de Salvador, Wladênia traz-me, como presente do meu amigo Ângelo Soares Neto, um bom volume de jornais da velha Bahia, com o que eu posso passar a limpo um mundão de assuntos que andavam em órbita no meu desejo de saber. Conhecendo-me muito, o Ângelo soube pinçar na imprensa baiana e nordestina muita coisa do nosso comum interesse, o que muito me agradou e preencheu apertados minutos das poucas horas de estudos diários nunca relegados na longa vida. Lembrei-me até dos interessantes dias da década de cinquenta, quando o Haroldo Lívio e eu nos encontrávamos, todas as tardes, na Biblioteca Pública, a ler sôfregos minutos da hora do café e, quando, embora ligeiros, aprendíamos muito, principalmente literatura.

Pois bem, leitor, não posso desviar-me do tema proposto. O Ângelo e o Haroldo Lívio teriam alguma coisa com a Idade Média, assunto que escolhi para hoje? Falei neles só para puxar conversa e até que deu certo, pois, pensando bem, eles têm algo de medieval no jeitão de ser e até no de agir... E por que Idade Média? Somos ou não somos cidadãos do quase século vinte e um? Vivemos ou não vivemos o limiar da nova era, quando o moderninho entra na ordem-do-dia, quando a mocidade está querendo a qualquer custo sacudir a poeira de tudo que aconteceu? É o ser e o não ser. Eis a questão que acabo encontrando nos jornais do Ângelo: o mundo está voltando para a Idade Média. Está!

Quem afirma que o mundo está assim, voltando como caranguejo, é o professor Cid Teixeira, em entrevista ao Jornal da Bahia.
O estado já não protege o homem e, por isso, estamos vivendo uma época semifeudal, quando desaparece praticamente toda proteção ao indivíduo. O indivíduo é que protege a si próprio, girando modernamente, em torno de si, substitutos do castelo, da armadura, do escudo, do fosso... Muita lei, muito artefato legal, muita estatística, um universo de siglas, um planejamento que planeja às avessas, uma segurança que em certos casos produz insegurança... O indivíduo então passa a construir o muro alto, o condomínio fechado, distribui em torno de si o caco de vidro, esconde-se atrás da fechadura eletrônica, contrata vigilância particular, arma circuitos de televisão, põe trancas e mais trancas em portas e janelas, pouco sai de casa à noite, nunca mais anda despreocupado. Rico ou pobre, miserável total ou classe média, o indivíduo não mais confia na proteção oficial, que parece se demitiu dessa tarefa.

Ao contrário do que sempre sonhamos com a modernização do mundo, da lei de proteção aos direitos de cada um, do respeito à privacidade, da liberdade de ação e de pensamento, do império do bem e da segurança, o Estado cria uma casta de tecnocratas insensíveis, cujo desejo maior é o de igualarem-se aos faraós do Egito. No fundo, diz o professor, todo tecnocrata gostaria de ser um sacerdote de Amon, um detentor da ciência hermética, ter a decisão do poder divino. Tendo as chaves dos computadores, falando a linguagem cifrada do economês só ao alcance deles mesmos, refrigerados e acarpetados nos gabinetes, nas cadeiras de aviões ou nas suítes de hotéis de luxo, os tecnocratas têm conseguido dissolver até a identidade das pessoas, criando uma multidão de vassalos, amorfa e impotente.

Se continuarmos voltando, regredindo para tempos medievais, perdendo a cada dia o poder de decisão, breve seremos escravos e não apenas meeiros de quem governa o que temos e o que fazemos. A tecnocracia transforma-se nos muros de pedra dos castelos dos séculos sem luz...



Garoto sem estilingue

Fico pensando se o homem que escreve semanalmente sobre animais grandes e pequenos, selvagens e domésticos - o nosso Reivaldo Canela - foi mesmo um menino sem estilingue, um garoto desarmado, um jovem de paz para com o governo da natureza. O motivo de minha preocupação é saber que o Reivaldo viveu os anos de maior estripulia da meninada, tudo mais romântico, mas também tudo muito mais violento, tempo de brincadeiras de guerra, quando cada moleque ou era bandido ou era soldado. É que ele, não tenho dúvidas, cresceu fora desta fase de agora, com as crianças envolvidas só com brincadeiras da era eletrônica, como televisão, aparelhos de som e entradas ou olhadelas nas lojas de máquinas de loucos barulhos. Digo isso, porque minha geração - que é também a dele - tinha de construir seus próprios brinquedos, jequis, visgos, facas de folha de flandre e daquelas fitas de aço que vinham amarrando os volumes de mercadorias das lojas e armazéns. Foi nossa geração a do feliz "laissez faire" de toda espécie de instrumentos de sobrevivência da alegria, em todo tempo vago depois da escola.

Sei que nunca vi estilingues ou qualquer outro tipo de atrativos para captar passarinhos na fase nova dos meninos que vi crescer nos bairros de cidades grandes, principalmente nos mais moderninhos da classe média, com todo mundo limpinho, calçados de tênis, quase sempre andando de bicicleta, indo e vindo sem muita anarquia, bem diferente do que acostumava acontecer em tempos mais distantes. Os garotos atuais, ou de pouco tempo atrás, já não tiveram à sua disposição o mundo dos passarinhos, aquele mundão em quantidade e fartura, que se tornava um grande atrativo à guerra de conquista de todas as horas, antes ou depois dos banhos pelados nos poços e nas lagoas, que a gente descobria onde eles estivessem. Parece que tudo mudou no jeito e na formação, depois que inventaram os banheiros dentro de casa - tudo de louça - e as lojas começaram a vender brinquedos à prestação, e o telefone passou a ser instrumento de uso geral, menino falando de longe com outros meninos.

É claro que hoje já não tenho problemas de consciência quanto ao amor que o Reivaldo dedica aos passarinhos, ele que gasta não-sei-quanto de fubá para alimentar os dó-me-réis e seus pardais. Posso afirmar que nosso moderno e atual São Francisco de Assis vive normalmente com os passarinhos, recebendo-os nas mãos, tudo na base de carinho de natural amizade, num convênio não assinado, num pacto de não-agressão grato a ambas as partes. Eu vi Reivaldo conversar com os bichinhos, parece até chamando-os pelos nomes, fazendo com que aquela grande revoada de do-me-réis venha para o seu lado, saltitantes de alegria inocente, bicando aqui, batendo asas ali... contentes com a vida, a exemplo do fiel protetor da Praça da Santa Casa. Para começo ou fim de conversa, a casa do Reivaldo já é um grande viveiro, com todas as árvores que os passarinhos pediram a Deus, um encanto de ramos e folhas de toda espécie.

Deve ser bom ser amigo dos passarinhos como Reivaldo aprendeu a ser, amizade sem interesse, sem perspectiva de retribuição, a não ser a da felicidade. Amigos sinceros, homem e animal se confraternizam todas as vezes que se encontram, marcada ou não a hora, pois, não é possível visitar o pai poeta, na casa ao lado, sem passar pela passarada. E que, felizes, eles convivam para sempre.
Parabéns, portanto!


A força da leitura

A força do hábito que se transforma em rito; o dever; passatempo ou prazer; melhor conhecimento e compreensão da atualidade; satisfação ou interesse pessoal imediato; atendimento às necessidades práticas da vida; satisfação de uma necessidade de distração, etc. etc., são os motivos que o livro "Os Caminhos Da Leitura", de Ralph. C. Staiger, publicado pela Unesco, em 1979, indica para alguém mergulhar-se ou apenas sobrenadar no atraente ou cansativo exercício de ler ou estudar. São também encaminhadores da leitura no trabalho profissional e a necessidade de progredir nele; atendimento à exigência do meio social; progresso pessoal e melhoria do patrimônio cultural; satisfação de exigências intelectuais e necessidade espiritual, ainda conforme o mesmo autor.

São múltiplas, então, as causas da leitura ou as causas que respondem por sua necessidade no mundo moderno. Há causas práticas ou de interesses imediatos, assim como há causas nobres, profissionais ou intelectuais, esta última ocupando o primeiro plano. "O que não se aceita", segundo o professor Leodegário A. de Azevedo Filho, "é a não leitura pelo homem moderno, que deve sempre estar informado culturalmente sobre o próprio contexto histórico. Ler é uma obrigação ou é um hábito, é um trabalho ou é um divertimento. Seja o que seja, é sempre uma forma de se viver". É uma forma de aproveitar o tempo; nunca de perdê-lo. Ninguém pode ser alguma reflexão crítica, viver bem, integrado num processo de consequência, de participação nos acontecimentos do mundo. Ninguém, de espírito em posição vertical, poderá ficar ausente do livro ou de uma boa leitura.

A verdadeira cultura exige o texto impresso, leitura de peso, de fôlego, linear, questionadora, de profundidade, muito mais do que o rádio e a televisão ou as discussões de esquinas podem oferecer. "Só o livro", no dizer do velho filósofo Maciel do Rego, de Taiobeiras, "atende ao sentido completo da cultura. Jornal e revista"- diz ele - "têm respiração curta, ocupam quando muito os minutos, nunca dias inteiros como os livros, companheiros, às vezes, da eternidade do nosso pensamento". Um bom livro é amigo para todos os períodos da vida, a força do conhecimento.

Diz o professor Leodegário Azevedo Filho, que o poder mais poderoso é mesmo o da leitura, sobretudo porque não é transitório ou eventual como o poder da política ou o poder econômico. Passam governos, passam comandantes, passam tecnocratas, passam ricos argentários, mas, a cultura nunca passa. Ela é uma soma constante na história do mundo, acrescida de camadas como um enfeitado bolo de aniversário. Nunca se dirá que alguém que foi culto deixou de sê-lo, exatamente porque a cultura não é um bem que se perde como o dinheiro ou o mando, a legítima ou a falsa autoridade. Além disso, o progresso intelectual exige sempre atualização, permanência em todos os períodos da vida. Para uma pessoa de cultura, deixar de ler é tão grave como deixar de alimentar-se, é a própria condição humana.

É importante, por isso, a formação de hábitos sadios de leitura e de aprendizagem, de acréscimo e de retenção do que se aprende, a transferência do aprendido para todos os campos de atividade, sejam as da sobrevivência, sejam as do simples prazer de viver bem dentro da harmonia espiritual.
Ler é, antes de tudo, uma obrigação. Escrever ser possível...


A grande noite da Câmara

Podia ter sido uma reunião como qualquer outra, mas não foi. Era a noite de uma sexta-feira dezessete, com apenas um assunto na pauta, sem presença obrigatória. A ordem-do-dia era a entrega de um diploma de cidadania como já fora feito às centendas nos últimos anos, a todo tipo de gente de muito ou de algum mérito, mas nunca de nenhum. Presentes uma maioria pequena de vereadores, toda administração e bom número de funcionários do Banco do Brasil, o secretário da administração municipal, o presidente do Sindicato dos Bancários, o padre Murta, uma boa vizinhança da Rua Cairo, filhos e genros do cidadão empossado Roque Ferreira Barreto. Um auditório, para bem da verdade, lotado, todas as cadeiras ocupadas, muita assistência de pé. De jornalista só um, mas muito ilustre: Haroldo Lívio de Oliveira. Um bom cenário para um grande acontecimento.

E entrega de diploma de cidadão honorário de Montes Claros dá sessão importante? A resposta lógica é que não, tantas vezes a cerimônia foi repetida, tantos foram os discursos de agradecimento, sempre a mesma retórica, tantas as saudações de autores dos projetos, constantes os mesmos argumentos biográficos. A imprensa nem mais dá atenção, não vai lá, não noticia, parece até num pacto de esquecimento deliberado. Será que ser cidadão de Montes Claros já nada mais acrescenta? Será que o honorário não mais é uma questão de muita honra? É uma incógnita para os matemáticos das pesquisas de opinião, pois quando um assunto não mais dá ibope é preciso pesquisá-lo mesmo que seja por curiosidade. Ou há uma campanha surda e silenciosa contra as homenagens da Câmara?

Veja o leitor que tenho razão de estar escrevendo, aqui sobre o assunto. É que a reunião do diploma do Roque Barreto não foi uma sessão comum, foi uma apoteose, a que esteve presente até o meu amigo Jair Caldeira, por sinal um dos mais entusiasmados. Tudo preparado em matéria de promoção - louve-se mais uma vez o Roque como o relações-públicas do ano - não faltou um só detalhe da parte do público, já que a Câmara nem poderia suspeitar do banquete cívico que convocara. É que os amigos e colegas do novo cidadão não foram lá de brincadeira, levaram o assunto a sério, começando pela pontualidade. Na hora marcada, a casa já estava cheia, com Roque sem saber se ficava sentado ou de pé, tanto convidado havia para receber, para dar tapinhas nas costas.

Do lado pessoal, é bom explicar que o discurso do Roque já estava pronto há dois meses, datilografado em espaço três, fita nova na máquina para ficar mais visível, letra grande, vocabulário escolhido, frases curtas, pontuação equilibrada, lugares marcados para gesticulação, tempo cronometrado, tudo planejado como se fosse a fala do trono da Inglaterra. A indumentária do dono da festa foi o nosso assunto mais importante do último mês: a cor do terno, um azul entre o cinza e o chumbo, a camisa, a gravata de crochê com matizes de ultramar, as meias com baguetes em relevo, os sapatos de pelica negra novinhos e bem polidos, tudo novo até o lenço e a cueca... O nó da gravata e o colarinho foram objeto de muito cuidado até à última hora, segundos antes de ser recebido pela comissão introdutória composta dos vereadores Cláudio e Pimentel.

As presenças do padre Murta, representante do poder espiritual; de Luiz Modesto e José Lúcio, do poder econômico; de José Maria, do poder executivo; de Juarez Antunes, do poder sindical; dos vizinhos e familiares, do poder do amor; da própria Câmara, como poder legislativo; e nossa - falo em nome de quase uma centena de funcionários do Banco do Brasil - o maior poder de apoio e de aplausos que um baiano de Amargosa pode receber na vida. Nada faltou, ou quase nada, notada apenas a ausência de Ildeu Gonzaga, que poderia ter dado um show à parte. Foi uma noite de glória, de emoção nunca vista, nunca ouvida ou apalpada. Foi como se cada um estivesse ligado a uma antena de sensibilidade.

Só para terminar, sem exagero: da tribuna, até o lugar que lhe foi destinado, Roque Barreto levou dez minutos para chegar, pois Câmara e Mesa se derramaram em cima dele de abraços que nunca acabavam. O Haroldo quase chorou, ele é o descobridor do Roque como carnavalesco dos anos sessenta (Carnaval em Moc só na base do Roque). Do plenário até a porta da rua, vinte minutos. Já ia me esquecendo: o Roque foi levado à Câmara pelo Jadir Colares Duarte, melhor motorista e dono do mais lindo e rico automóvel da classe bancária: um Del-Rey metálico prateado, novinho, zero e pouco! A Globo não sabe o que perdeu: já pensou se ela tivesse televisionado tudo, assim com quatro ou cinco câmaras, buscando cada detalhe?
Parabéns ao Vereador Milton Cruz por ter inventado o projeto.


Publius Vergilius, ontem e hoje

De todos os grandes nomes da arte universal, creio que o mais destacado amigo da Natureza tenha sido o poeta Vergílio, romano nascido em Andes, pertinho de Mântua, norte da Itália. Longe de ser nosso contemporâneo pelo nascimento, pois, de 70 antes de Cristo, é ainda de nosso tempo pela atualidade das suas ideias, da intransigente defesa de tudo que é natural, disposição íntima e política digna de ecologista do fim do Século XX. Tudo em Vergílio era de uma simplicidade a toda prova e vivia ele a cada som e casa matiz de todas as auroras. Homem íntegro, conversava naturalmente com reis ou pastores, tanto podendo conviver com os nobres dos palácios como com as crianças das campinas, dos flocos de neve das montanhas. As estrelas ou os rouxinóis, as tempestades ou o orvalho, os voos dos pássaros ou o despertar das flores, tudo para ele era música do coração, alegria dos olhos, inspiração da alma. A beleza do mundo e da vida era a melhor matéria-prima para seu trabalho, o ofício de poesia, luz que daria sempre maior brilho à sua inteligência.

Tinha Vergílio apenas 25 aos quando começo a composição das "Éclogas". Aos 30, produziu as "Geórgicas", poema didático em quatro cantos, em que celebrou a felicidade do trabalho rural e a vida mais próxima à Natureza. Amigo de Otávia, irmã do imperador, encantou-a com a leitura do Canto VI da "Eneida", referente à morte do seu filho Marcelo, o que lhe valeu dinheiro em quantidades para ficar rico e ainda muita proteção de Mecenas e do próprio César. Com a poesia, o jovem poeta ajudava a destacar o brilho de Roma e dos romanos, vivendo e fazendo com que outros também vivessem felizes. Inimigo do fausto, seus versos reconheciam as doçuras da vida em família e nada lhe era melhor do que o retiro e a solidão. Tímido, delicado, sensível, de coração terno, não lhe agradava a agitação da capital do Império, barulhenta e movimentada. Por incrível que pareça, o grande cantor da paixão de Dido, uma das mais belas páginas da poesia universal, nunca se dedicou ao casamento. Culto e melancólico, preferiu viver só.

Um dos livros bem vendidos no Brasil, no final de 1982, do escritor alemão Hermann Broch, tem toda sua trama baseada nas últimas horas da vida de Vergílio, que morreu em Brindisi, na Calábria. Estava o poeta com 50 anos e resolvera conhecer a Grécia, onde se incorporara à comitiva de Augusto e, por infelicidade, adoecera no meio das festas em Megara, na vizinhança de Corinto. É possível que durante o curto período de doença, no ano 19, tenha-lhe passado pela cabeça realmente toda uma perspectiva de vida, tenha feito de alma e coração um doce e amargo exame de consciência de si mesmo e dos seus contemporâneos. Para uma inteligência como a do autor da "Eneida", do verdadeiro criador de Enéas, a vida deve ter sido o mais monumental do todos os feitos da realidade e da arte. Afinal, estava para deixar o mundo um dos seus mais cultos intelectuais, envolvido em todas as províncias do Saber da Matemática à Veterinária, da Filosofia à Apicultura. Uma vida que, à semelhança das "Geórgicas", era uma epopeia de trabalho.

Fico com muito entusiasmo, quando ouço o meu amigo Padre Murta falar vidrado na poesia de Vergílio, ele Padre Murta que é o maior conhecedor da Eneida por esse nosso mundão a fora. E o que mais me encanta é exatamente saber da existência de inteligências sensíveis como a dele e do Prof. Pedro Maciel Vidigal, para buscar tão longe no tempo a vaidade do amor e o glorificar do raciocínio poético. Fico mais interessado ainda quando leio que era Vergílio também um poeta de grafite, escritor de muros, pintor de paisagens e mestre na feitura de belas estátuas. Imitador de Homero, foi imitado por Dante e por Camões. Amigo de Augusto e de Mecenas, pela eternidade do gênio ainda é nosso amigo. Quão bom seria se pudéssemos ler ainda seus últimos versos! Eles foram escritos para seu túmulo em Nápoles: "Mântua me deu a vida; Brindisi a morte; Nápoles, a sepultura. Cantei rebanhos, os campos e os guerreiros".
Morreu como nasceu: para ser imortal!


Sorrisos e lágrimas

Houve um dia na história do mundo que deveria ter sido gravado em fita de ouro, conservados todos os sons, todas as cores, os movimentos todos. Não somente uma filmagem pessoal de uma câmara só, um ângulo isolado, mas um belo trabalho de equipe, com lentes naturais e de efeitos vários. Os sons, estes deveriam ser tomados de todas as distâncias, de todos os lados, do alto e do chão, até um microfone semi-enterrado como se faz em jogos de copa. Deve ter sido uma manhã e tarde da maior importância na vida do maior gênio da arte de todos os tempos, uma coroação de esforços e de momentos de amor do italiano Leonardo da Vinci.
Era a hora final dos retoques do quadro Mona Lisa, aquele minuto marcante de a obra de arte receber a moldura e ser exposto à crítica do tempo e das gentes. La Gioconda havia posado para ele por alguns anos, encantada com toda a equipe de moedores de tintas, de tocadores de alaúde e de cítaras, assobiadores, cantores, fazedores de graças, encantada, sobretudo, com a admiração do mestre e a luz bem distribuída do grande pátio e cenário. O que parecia eterno chegava ao fim!

Assim é a vida. Por mais longo que seja o dia, haverá sempre um crepúsculo. A mais escura das noites, a mais tempestuosa ou a mais alegre e festiva será sempre substituída por uma aurora. As existências se sucedem num vai-e-vem eterno, monótonas para quem não saber ser, mas interessantíssimas para quem tenha olhos de novidades. Não há bem ou mal que nunca se estinga, tudo é passageiro. Definitivo, só o gesto de amor, o bem, a luz que ilumina a alma das criaturas. O mal? O mal também tem prazo de consideração, porque não há trevas que não sejam batidas pela claridade. Um gesto de crença verdadeira muda a história da vida.
Enquanto houver fé e esperança, enquanto houver amor, haverá felicidade. O desespero é o pior ângulo de qualquer atitude, do indivíduo ou da sociedade. Por que não esperar o amanhã?

Estamos, hoje, num desses momentos de real importância em nossas vidas, uma passagem de ano num fim do século e de milênio que - ricos de angústias -, têm marcado profundamente o nosso modo de ser. Uma hora tão decisiva, tão ofensiva à nossa independência, que ninguém, mas ninguém mesmo, fica realmente isolado dos acontecimentos. Se já não era, agora pessoa nenhuma será uma ilha. Vivemos o momento da multidão. É preciso muita garra para vivermos a nossa própria vontade. Vivemos de uma só vez todas as vidas, da família, do trabalho, da crença, dos grupos de aptidões, mas, em nenhum momento prevalece o direito realmente individual, aquela vontade saída do próprio coração. Tudo é grupo, dependente. Querendo ou não, um mundo de irmãos, sob o mesmos teto do mundo. Alegres, tristes, sofridos, angustiados, mas unidos. O egoísmo tornou-se uma ilusão, um engodo; somos, na verdade um enorme grupo de aldeia global, sacos de sorrisos e de pancadaria.

Vai para a história o sacrificado 1986, ano, mais do que tudo, de desmentidos, de quedas de mitos, de impensadas aventuras, de tentativas. Vai 1986, um ano duro para todas as criaturas na face da Terra, sem um só dia de paz, e com poucos de contentamento. Vai 1986, um ano das vitórias de Pirro, quando a alegria dos vencedores não chega a sair dos estrados das comemorações. Vai 1986, o ano da verdade, das dívidas com poucas promessas de pagamento, das ilusões de regate, do fundo do poço.

Vem 1987. Que venha com esperanças, com dificuldades estimulando o raciocínio em busca de novas soluções. Que venha com possibilidades de perdão, de reajustamentos, de solidariedade. Que apareça com menos pressa, sem o mar de agitações e, se polêmico, com maior grua de entendimento. Vem 1987. Que seja nele aberta uma fresta para a lembrança das promessas geradas no início de nossa era, na pobrecita manjedoura do Belém! Havendo amor, haverá muita luz na saída do túnel. E que haja!


... O grande Imperador

Há muito tempo, eu estava querendo escrever sobre o Imperador Pedro II, uma das mais admiráveis personalidades da nossa tão esquecida história. Porque escrever sobre ele, não sei. Sei apenas que o filho de Pedro I e pai da Princesa Isabel sempe me fascinou pela sabedoria e pelo caráter reto, uma grandeza de espírito e simplicidade muito raras nos políticos de qualquer época. Hoje, cumpro a promessa comigo mesmo, e sei que isso é bom, servindo de uma espécie de catarse, que é algo como um banho da própria alma, um descanso de compromisso e de tensões que nos invadem o saber e o querer. Cyro dos Anjos diz que tudo que a gente quer escrever ou escreve constitui uma gravidez intelectual e, quando não vem o parto, não virá o descanso. Bem haja, como dizem os portugueses!

E o que sei eu de D. Pedro II? Não muita coisa, que isso dependeria de muita leitura sobre o Segundo Reinado. Mas sei um pouco, que posso passar, com prazer, para os que têm a paciência de me ler. Como é a moda, é bom começar dizendo que Pedro II foi um grande democrata, amigo do povo, simples como devia ser um cristão. Para não fugir à verdade, é bom também dizer que seus maiores amigos eram mesmo os filósofos, os poetas, os cientistas, os inventores, a gente da grande inteligência e da cultura. O que ele não gostava muito era da realeza cheia de pompas e de protocolos, o povo metido da nobreza, cheio de luxo e de aparências. D. Pedro II sentia-se bem mesmo era na companhia de homens como Victor Hugo, Renan, Thomás Edison, Longfellow, Graham Bell, Pasteur, Alexandre Herculano, Manzoni, Gonçalves de Magalhães, Francisco Otaviano, Carlos Gomes, Pedro Américo, intelectuais que ele admirava e protegia. Dizem que ele nunca deixou de demonstrar constrangimento diante das cortes de grande gala e muito ouro.

De vestir, D. Pedro II gostava mesmo era de uma sisuda sobrecasaca preta, à moda dos professores da época, vivendo longe das joias, com um ar discreto de um bom burguês, fino, educado, seduzido só pelas belas ideias e pela sabedoria dos pensadores. Gostava imensamente de viajar, mas viajava pouco. E, quando o fazia pelas cortes europeias, pagava as passagens e as contas, tirando dinheiro do próprio bolso, nunca ofendendo os saldos do Tesouro Nacional tão à moda nos dias de hoje. Educado para reinar, mediante disciplina férrea, quase monástica, foi moldado como um responsável funcionário público, modesto e compenetrado. Tolerante ao máximo, bondoso, era também de vontade inquebrantável, renitente, intransigente em seus propósitos. Antes de tudo, a prática, o trabalho, a obrigação. Madrugava no cumprimento do dever. Decidia com tanta justiça que mais parecia um juiz centralizador do bem e da paz.

Homem livre, estudioso, de uma curiosidade científica de encantar, chegou muitas vezes a escandalizar as cortes do velho continente, deixando para trás até as ideias estapafúrdias dos conservadores. É que mais do que os palácios, visitava os livres pensadores, os rabinos, os artistas, os republicanos, ímpios como Renan e Victor Hugo. Pouco lhe importava a antipatia quase que natural do Papa Pio XI, um radical conservador, que nunca lhe poupou censuras. Claro que não chegava a ser um iconoclasta, isso nunca. Era um homem de paz, um bom sujeito de ótimo coração!

Sério, compenetrado, virtuoso, respeitado e respeitador, discreto como homem e como governante, não deixou, porém, de ter uma boa sequência de amores, além do que teve para com sua mulher, princesa napolitana D. Teresa Cristina Maria, modelo de bondade, D. Pedro II amou, e muito, outras mulheres, com as quais mantinha volumosa correspondência sentimental. Ocuparam seu coração nada menos do que a Condessa de Villeneuve, Madame de La Tour, Eponina Octaviano e a Condessa de Barral e Pedra Branca, sendo esta última seu preferida, a quem se dedicou profundamente. Ao contrário do famoso pai, nunca fez desses afetos motivo de escândalo. O amor para ele foi sempre um sentimento íntimo, de alma para alma.

Expulso do Brasil numa trágica e tempestuosa madrugada de 17 de novembro de 1889, viajou chorando de tristeza e de saudades, já muito alquebrado pelos longos anos de trabalho e de estudos. Morreu num quarto simples do Hotel Bedford, em Paris, dois anos depois. Seu maior sofrimento eram as lembranças do Brasil. Quanto era doloroso a dor do exílio! Ainda bem que o Governo francês concedeu-lhe as honras de Chefe de Estado e seu enterro foi dos maiores que a cidade de Paris já viu, tão grande como o de Victor Hugo. Diante do sábio e do homem, mais uma vez a Europa se curvava perante o Brasil! Ainda bem, que o Brasil era (é) um país (quase) sério!...


Você tem tempo?

Conheço um mundão de pessoas que dizem nunca ter tempo para fazer as coisas mais necessárias. Sempre ocupadas demais, não sabem com quê. Nenhum momento disponível para escrever um bilhete, para uma palavra de amizade a um parente ou a uma pessoa amiga. Nenhum minuto para dar um telefonema de parabéns ou mesmo dizer qualquer palavra amável a alguém que teria grande alegria com essa atitude. Nenhum segundo para uma leitura proveitosa, para um acréscimo ao conhecimento de utilidade, para um brilhozinho na cultura e na atualização do que anda acontecendo no mundo. Conheço um mundão de pessoas que só têm olhos para o que nada acrescenta de melhor à própria vida. Conheço-as e tenho pena de todas elas, pobres coitadas...

É que não existe nada no mundo mais importante do que o tempo, a correta administração do tempo, esse ente incompreensível que só é longo quando a criatura vive ou se encontra mergulhada no sofrimento e na dor. O tempo passa devagar só nas horas em que ele deveria correr mais depressa, quando estamos na angústia da espera de que ele logo se acabe, seja no leito da doença, seja na fila interminável que nunca anda. É difícil dispormos de tempo para todos os compromissos, mesmo aqueles bem distribuídos na agenda mental ou até na de papel, principalmente aquele tempo que costumamos dizer que vale ouro, patrimônio sagrado que ninguém tem direito de malbaratar sem graves danos.

"Há quatro coisas que não voltam atrás: a pedra depois de solta pela mão, a palavra depois de proferida, a ocasião depois de perdida, e o tempo depois de passado". Não me perguntem quem disse isso, que foi um tal de H. Riminaldo, que não sei quem é... Mas, que ele está certo, isso está, inclusive por mais isso: "A maior parte do nosso tempo, passa-se a passar tempo". Trezentos e sessenta e cinco dias do ano podem ser comparados a trezentas e sessenta e cinco áreas de plantio, cotas igualmente distribuídas para cada um em particular e para todos em conjunto, cada qual com certa liberdade de cultivá-las, dependendo do modo de pensar e agir.

"Tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo propósito debaixo do céu", diz o Eclesiastes no início do seu capítulo três. "Há tempo de nascer, e tempo de morrer; tempo de plantar, e tempo de arrancar o que se plantou; tempo de matar, e tempo de curar; tempo de derribar, e tempo de edificar; tempo de chorar, e tempo de ri; tempo de prantear, e tempo de saltar de alegria; tempo de espalhar pedras, e tempo de ajuntar pedras; tempo de abraçar, e tempo de fartar-se de abraçar; tempo de buscar, e tempo de perder; tempo de guardar, e tempo de deitar fora; tempo de rasgar e tempo de coser; tempo de estar calado, tempo de falar; tempo de amr, e tempo de aborrecer; tempo de guerra, tempo de paz".

Assim, há tempo para tudo, para a sublimação do santo, para a beleza do ato heroico, para a grandeza do sábio, para a angústia do penitente, para a provocação, para a alegria da simplicidade e até para a crueldade do malfeitor de qualquer grau. É o tempo um caudal de angústias e de tribulações para quem não saiba vivê-lo, ou simplesmente um limbo de inexistências par quem o deixe passar sem ideias do que fazer. Tempo é mar de ondas que nunca voltam, é chuva que passa sem obstáculos, um relógio de corda sem fim...

E como você teve tempo de terminar... Perdoe-me se tomei muito do seu tempo!


É preciso amar a vida

Adoro as pessoas que amam a vida, que gostam de viver, que são alegres que sabem valorizar cada minuto de felicidade. Nada melhor do que uma certa capacidade de conformação, um jeito de dar a volta por cima nas horas difíceis, de sacudir a poeira das vãs preocupações quando elas só podem nos atrapalhar. Não remoer mágoas é um ato de grande sabedoria. Perdoar, mesmo sem esquecer a ofensa, já é um sábia atitude. Perdoar, com esquecimento é suprema perfeição, coisa assim de quem já se sinta num excelente caminho evolutivo. Um limiar de candidatura ao vestibular de santo. Posicionamento muito cristão.

Adoro as pessoas que sabem fazer amigos, que são sociáveis que se interessam pelo contentamento do próximo. É dessa gente que a melhor parte do mundo é feita, que dá o lado útil da vida, o construtivo, o leal, o bom. De que adianta o negativismo? O que pode a tristeza realizar senão a dor moral de que ela é a própria argamassa? Os tristes estão sempre muito longe da vitória, do sucesso, e até mesmo de uma certa estabilidade vivencial. A tristeza não é o lado normal da criatura, pelo menos não é o mais agradável. Os tristes deveriam parar um pouco e pensar numa mudança mental, sorrir, procurar ver um mundo de coisas lindas que acontecem e estão aí na nossa frente todas as horas. Nada mais positivo do que os momentos de alegria!

Adoro as pessoas que gostam da luz do sol, da brisa, da lua, pessoas que saibam olhar para cima à noite e ver estrelas com atitude de quem sonha! São estas que, por amarem a imensidão do infinito têm a mística ou a lógica da fé, acreditam num poder maior, num verdadeiro foco de amor de quem emana toda a sabedoria. Não se pode viver sem uma crença, uma certeza, uma diretiva para o bem que se pratica e que se recebe. É preciso ter a sensação de plenitude, a consciência firme de que fazemos parte do grande Infinito, partícula de luz eterna e caminhante para a sabedoria.

Adoro as pessoas que sabem esperar quando outras desesperam, que guardam a fé, acima da tormenta de dúvidas, que suportam o peso da própria cruz. Adoro as pessoas que sabem cultivar o lado bom, que sabem discernir o justo vaoro das causas e das coisas, que amparam com sinceridade os que erram na caminhada da vida, que sustentam sempre o bom ânimo. Que ninguém se engane com falsas apreciações acerca da justiça, porque o tempo é o juiz de todos. Cada criatura colherá da vida não só pelo que faz, mas também conforme esteja fazendo aquilo que faz. Adoro o ouro do tempo e o serviço da paz!

Amanhã será, certamente um belo dia, não tenho dúvidas. O meu sendo de felicidade isso me indica, me dá certeza e confiança. Mas, para trabalhar e servir, renovar e aprender, acredite, o melhor dia é hoje mesmo, o melhor tempo é agora! Seja feliz!


Ensinar e aprender

"Quem sabe faz, quem não sabe, ensina" - dizia sempre o doutor Hermes de Paula, repetido o dramaturgo inglês Bernard Shaw. Era a forma de ironizar seu próprio trabalho de homem que viveu a vida, tentando e conseguindo ensinar as coisas boas do saber viver. Ele, doutor Hermes, que não sendo um grande orador, não possuindo os arroubos da oratória, sempre sabia empolgar todo e qualquer auditório fosse de crianças, fosse de moças e rapazes, fosse de gente grande e sabida. Era ele um professor nato, convincente, bem-humorado, claro, direto no falar e no convencer.
Nunca o doutor Hermes deixava uma audiência triste. Sabia enriquecê-la com a sabedoria e a virtude de amor. Era um grande mestre!

Realmente, a vida consiste em aprender e ensinar. E diz a regra que aquele que mais ensina é o que mais aprende. Quem mais se dispõe a aprender é quem melhor ensina ou o sabe ensinar. Professor e aluno crescem sempre juntos, na medida em que vão realizando coisas importantes para eles mesmos, coisas importantes para seu meio social, sua terra, seu país. O aluno aprende com o professor, mas mais aprende o professor com o aluno. Um atende às necessidades do outro. Uma vida em honesto conluio, só agradável quando em franca e mútua disposição de progredir. Ensinar e aprender - diversão ou trabalho - só valem muito para quem tenha amor pelo conhecimento, pela descoberta do novo pelo sentimento de riqueza no poder da cultura!

Aprender é renovar-se, mudar comportamentos, somar habilidades, descortinar novos horizontes. Ensinar é abrir caminhos, criar motivação saudável, crescer e fazer crescer. Aprender e ensinar são ações de grande valia, de importância indiscutível, porque nossa inteligência só se satisfaz com o inovador, com a novidade, com o que empolga e fascina, com situações que possam mudar destinos. A repetição será sempre rotina, nunca encaminha para o melhor no plano da gratificação da mente e do espírito. O homem será sempre o animal curioso, faminto do desconhecido, um desbravador, um insaciável vencedor de fronteiras.

O professor é o arado que semeia, a mão que cultiva, a semente que multiplicadamente germina e haverá sempre de germinar. Sócrates foi professor de Platão. Platão ensinou a Aristóteles. Aristóteles fez o melhor que pôde por Alexandre... Se Alexandre não ensinou, aumentou o mundo para que outros ensinassem. Foram professores que prepararam Miguel Ângelo, Leonardo, Giotto, Camões, Dante, Petrarca, Einstein Sartre, Tristão de Athayde e Vinícius de Moraes. Foram professores que ensinaram a Afonso Arinos, a Carlos Drummond de Andrade à Maria Luíza, a Georgino Júnior. Todos tiveram professores. Todos tivemos. Todos!

Lembro-me muito bem de quando Lazinho Pimenta era aluno do velho Colégio Diocesano. Interessado, participante, tinha já todas as características de um bom jornalista. Sempre bem informado, era só armar um palco ou uma tribuna, ligar um microfone, lá estava Lazinho a dar as últimas novidades, a minerar novos valores entre a moçada. Está aí! Vocês, é possível, só tenha visto o Lazinho Pimenta como cronista e homem de jornal. Eu o vejo com bem mais amplitude. Sempre vi o Lazinho na qualidade de aluno e professor, vivendo e aprendendo e ensinando a conviver. Se ele cobrasse em provas o que ensina, estou certo, muitos agradeciam pelo tanto que aprendeu. Afinal, são mais de trinta anos que Lazinho transmite a boa etiqueta na sua página de jornal....


Correspondência e amizade

De todas as manifestações de amizade e de carinho, a correspondência é uma das mais interessantes, a que toca mais profundamente a sensibilidade de quem escreve e de quem recebe. Bom e agradável é ver nas mãos do carteiro um envelope com letra amiga, o nome escrito por quem de alguma forma quer a nossa felicidade, o nosso contentamento. Escrever para as pessoas a quem queremos bem deveria ser um exercício de todos os dias, uma espécie de doação espontânea e viva, própria de almas afeitas à camaradagem, ao exercício da saudade construtiva, ao apego positivo e enriquecido. Afinal, a escrita é o gesto gravado com tinta e amor, direto e pessoal, até mesmo quando feito com os recursos mais modernos que não os do próprio punho.

O que mais atrapalha as pessoas no ato de escrever aos amigos é a falsa noção de que correspondência tem que ser sempre sob a forma e a formalidade de carta, com todos aqueles palavrórios cheios de cerimônia e gramatiquices, com tratamento sério, repositórios de salamaleques verbais. Mas acontece que correspondência de amizade não é isso, é coisa muito mais simples, mais pessoal, despretensiosos gestos de simpatia através de um vocabulário do dia-a-dia, uma comunicação sem preconceitos, direta e limpa de enfeites. Um bilhete, um recado, um conselho, uma consulta, uma informação, um cumprimento, tudo o que dirigimos por escrito a uma pessoa amiga constitui correspondência.

É preciso aprender a escrever com frequência, criando pontes de amizade, demonstrando que nossa memória está firme, de que o esquecimento e a ingratidão não são os nossos maiores defeitos. Não deixemos que o telefone, que nunca registros, seja um impedimento à nossa correspondência. A palavra escrita ainda vale muito mais porque, guardada, será sempre uma boa lembrança, uma forma de recordação. Aproveitemos qualquer papal, não importa o tamanho, a cor, a origem. Escrevamos à tinta, a lápis, de forma calma ou apressadamente, mas escrevamos. Por que não usar um cartão, uma nota de compra, um recorte de jornal ou revista e, em último caso, até mesmo um papel de carta propriamente dito?

O que interessa é nosso interesse pelo ato de comunicar, de dizer que estamos vivos, que ficamos alegres com a alegria do amigo, felizes com sua felicidade. Se não pudermos escrever vinte linhas, que escrevamos dez. Se não pudermos escrever dez, escrevamos três, mas não deixemos de escrever. O sorriso interior criado pela nossa amizade vale mais do que todas as fortunas do mundo!

Experimente hoje mesmo!

 

 


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