Darcy Ribeiro

As mulheres

As mulheres sempre me interessaram
soberanamente.
Desde que me lembro de mim,
criança ainda,
me vejo embolado nelas.
Carente, pedindo carinho.
Encantado, querendo encantar.

Foram elas, são elas,
o sal de minha carne,
o gosto e gozo
de meu viver.

Marinheiro, neste mundo,
amor é o vento que sopra
minhas velas nas travessias.
Amando, navego por
calmos e bravios mares
me sentindo ser,
me sentindo viver.

Não posso é viver sem amor,
desamado, nas calmarias,
bradando de ver a vida
marulhar à toa.
Um olhar trocado,
instantâneo,
me acende todo.


Aquela

Minha amada é de carne, de pele e pêlo.
Ora é negra, ora é loura, ora é vermelha.
Minha amada é três. É trinta e três.
Minha amada é lisa, é crespa, é salgada, é doce.

Ela é flor, é fruto, é folha, é tronco.
Também é pão, é sal e manga-rosa.
Minha amada é cidade de ruas e pontes.
É jardim de arrancar flores pelo talo.

Ela é boazuda e é bela como uma fera.
Minha amada é lúbrica, é casta, é catinguenta.
Minha amada tem bocas e bocas de sorver,
de sugar, de espremer, de comer.

Minha amada é funda, latifúndia.
Minha amada é ela, aquela que não vem.
Ainda não veio, nunca veio, ainda não.
Mas virá, ora se virá. A diaba me virá.


O homem que eu sou

Aquele sim, é o homem
que eu sou,
inteiro, cabal.
Sossegado, valente.
Realizado,
contente.
Isso tudo, sem saber.
Inocente.

O homem que eu não sou

Nessa casona,
hoje, um homem espera a Morte.
Eu. Nem homem sou.
Sou é um des-homem,
de punhos atados,
de dentes cerrados,
de pernas peadas
aos pés do Senhor!