Todos os Santos

Wanderlino Arruda

E claro que no Bairro Todos os Santos, como o título indi¬ca, só deve haver ruas com nomes santificados, longe da humana intimidade, nunca sem a necessária reverência. Quem isso inventou foi um homem inteligente, culto e estudioso que, por força de li¬nha familiar, já tem garantida em placas da rua mais central uma definitiva lembrança. Quem criou o Todos os Santos foi Simeão Ribeiro Pires, autor do projeto sonhador que caprichou, noites, tardes e manhãs, no melhor da hagiografia, parte pelo prestígio dos santos, parte por uma definida preferência pessoal. Simeão, como Lúcio Costa, autor de Brasília, deve ter dividido o futuro bairro com uma cruz, criando inicialmente um ponto de apoio, uma es¬pécie de eixos definidores: Rua Santa Maria e Rua S. José. bem ao lado do Orfanato, o centro nevrálgico, onde ele mesmo fez pulsar a primeira força de construção.
As ruas que ficam na posição de acompanhamento do rio Vieira, assim solidárias com o próprio rumo da cidade, só teriam lugar para os santos machões, fortes componentes da hierarquia celeste. As outras, em perpendicular, isto é, as que vão da cidade para os rumos das atuais Faculdades de Medicina e Direito estas seriam todas eternamente femininas, com suaves intitulações de angélicas figuras de mulheres: só santas teriam lugar. Assim, a partir da futura avenida Sanitária, hoje Esteves Rodrigues, as ruas São Roberto, São Sebastião (fui o primeiro a nela morar), São Carlos, São José, São Pedro, São Paulo, São João e Santo Antônio, São Mateus, São Marcos, de certo modo preferidos, ficaram mais para o fim, perto de São Geraldo, São Lucas, não ganhou nada. Do lado esquerdo da Santa Maria, Santa Lúcia, Santa Bernadete, San¬ta Terezinha. Do lado direito, a Santa Luzia e uma que ficou es¬quecida (acho que o terreno não era da família) e mais a Santa Cruz (esta não mulher, mas feminina) onde orgulhosamente (no bom sentido) vivem há muito tempo D. Maria do Carmo e Harol¬do Lívio.
Quando Paulo Rodrigues Avelar ia construir sua casa, depois da Santa Luzia, desbravando novo território, na hora de registrar os papéis na Prefeitura, foi um deus nos acuda, uma vez que, de
oficial, só tinha o registro da antiga fazenda Bois. Chamar um ami¬go vereador e pedir um projeto lei seria motivos de grandes demo¬ras e ainda sujeito à sanção do Prefeito, o qual, numa primeira vez, poderia negar a assinatura. Sem nome não poderia começar os alicerces e muito menos as paredes. Era urgentemente necessária uma providência de grande autoridade. E o que fazer? Chamar o Simeão Ribeiro Pires para outra vez se debruçar no Calendário dos Ritos? Nada disso, a solução seria outra.
Homem prático, decidido, conhecedor profundo da nature¬za tanto humana como divina, Paulo tomou uma alta decisão, imediatamente deliberou. Encomendou, no mais bonito que pô¬de, bem esmaltada e com letras de um intenso azul, a mais nova placa do bairro Todos os Santos. O nome seguia na carta de pedi¬do para a fábrica e, com toda clareza feito a nanquim, no projeto de construção agora entregue à Prefeitura. Era uma denominação sonora, trissílaba, paroxítona, devidamente antecipada pelo título de santa, como exigia o figurino. Uma justa homenagem a quem de muito merecimento, detentora de sua mais elevada admira¬ção: a mãe de seus filhos, sua esposa e companheira de lutas: D. Coqui.
E por isso que a rua é chamada de Rua Santa Clotilde.