Manoel Hygino dos Santos
Nossa música
A música mineira foi, pode-se dizer, eminentemente a serenata, sobretudo a
modinha. Durante largo período de sua história, encantou corações, gerando
famílias e filhos, nas velhas cidades. Aliás, na segunda metade do século
XVII, a modinha já era cantada no Brasil, sendo responsável por sua
popularidade o poeta Gregório de Matos, o Boca do Inferno. No século seguinte,
transferiu-se o gênero, a Portugal.
No século XIX e princípios do seguinte, a música romântica resplandecia.
Serestas enchiam as noites, o que ocorreu num crescendo até 1916
aproximadamente, segundo o historiador Hermes de Paula. A energia elétrica
decretou o fenecimento da serenata, quando as lâmpadas começaram a competir
com o luar, lentamente contribuindo para extinguir o ambiente propício a velha,
cultura amorosa através da música.
Todas as vilas mineiras tinham seus grupos de seresteiros, artistas autênticos
das madrugadas, exibindo-se junto à casa das donzelas casadoiras, nem sempre
com beneplácito dos rigorosos pais da famílias. Do calçamento das ruas,
subiam aos sobradões apaixonadas canções de amor, que faziam corações bater
mais forte e aceleradamente.
O sempre lembrado Melo Cançado, nascido em Pará de Minas, intelectual de
primeira linha, professor de Direito Romano, lembra essa melodia, antiga e
sempre nova, música que vem do berço e nos acompanha os pessoas nos vales e
serras. Minas Gerais aprendeu com Platão que “a música é a parte principal
da educação, já que o ritmo e a harmonia, se penetram cedo n'alma, atingem-na
profundamente e a fazem realmente bela".
Minas é extremamente musical e Curt Lange, pesquisando aqui, descobriu
maravilhas que o mundo não conhecia. Seus sucessores, trabalhando arduamente,
conseguem êxito e encontram um rico veio nas sacristias e arquivos públicos,
relíquias de música sacra, que revelam outras faces deste território e desta
gente, que não se satisfez em buscar riquezas no ouro e pedras preciosas.
Ângelo Oswaldo de Araújo Santos, porque amante das artes e ex-prefeito de Ouro
Preto, hoje secretário de Estado da Cultura, e o desembargador Hélio Costa,
porque nascido em Sabará, sabem que se empregavam até cinco coros nas procissões
da Ordem Terceira de São Francisco de Assis em Vila Rica e as solenidades
religiosas, ricas em música, contavam com decisiva participação popular.
Aliás, o mestre patafufo registra que numerosos foram os compositores que, em
Mariana, Ouro Preto, Sabará, São João del-Rei, Caeté, Pitangui, Tiradentes,
Minas Novas, Itapecerica, Barbacena, Queluz ou Campanha alegraram os templos e
coretos das 13 primeiras vilas fundadas em Minas, entre 1711 e 1798. Depois,
vieram outros núcleos, em que muito se cultivou a música, nos coretos e
templos, mas também nas vias públicas. Montes Claros e Teófilo Otoni não
ficaram atrás nem em inferioridade.
Pois da segunda cidade, implantada gloriosamente no Nordeste mineiro, veio Gervásio
Horta, em 1954, de tristes remembranças nacionais, quando se suicidou Getúlio,
depois do episódio noturno de Toneleros, que quase levaram o país à guerra
civil. Estava-se em plena campanha eleitoral e coube ao jovem recém-chegado
compor a musiquinha, que as rádios tocavam, incentivando Belo Horizonte a votar
em Celso Azevedo, candidato a prefeito e que, se eleito, seria o primeiro
nascido na capital a dirigir-lhe os destinos.
Gervásio jamais parou e, ao lado de outros compositores, criou a nova música
popular mineira, não mais a de seresta, a modinha, quase perdidas no tempo pretérito,
reminiscência obsequiosa de gerações desaparecidas. Exaltando Rômulo Pais,
acaba ele de lançar um CD, que recorda uma das figuras mais populares e
queridas de Belo Horizonte, de nobres e eruditas raízes e que participou
ativamente da MPM nas décadas seguintes até a metade do século recém-morto.
Ambos - Rômulo e Gervásio - conquistaram um lugar muito especial na música
destas épocas mais recentes. Eles têm o mérito de criação da música urbana
na capital mineira, sem perder vínculos com as cidades de origem e sentimentos
ancestrais.
Manoel Hygino é jornalista e escritor
E-mail: colunaMH@hojeemdia.com.br
Wanderlino Arruda