Onde o amor é maior

Wanderlino Arruda

Permita-me continuar alguns comentários sobre o Livro “Montes Claros, Sua História, Sua Gente e Seus Costumes”, do nosso companheiro Hermes de Paula, o maior amado-amante da cidade, um dos melhores, montes-clarenses de todos os tempos. Foi, aliás, outro bom montes-clarense, hoje ausente morando no Rio, o Newton Prates que, prefaciando a obra na primeira edição afirmara ser o relato histórico de Hermes de Paula um trabalho valioso, um modelo de honestidade. “Do alvorecer aos dias atuais, o livro é um quadro colorido, cheio de vida, um testemunho palpitante da força criadora de gerações”. Para ele, “o livro não é apenas de interesse regional, é uma contribuição para o estudo do folclore, dos usos e costumes, da marcha da civilização no interior do Brasil”, pois, “Montes Claros é o milagre do sertão”. “Quem nela viveu nunca a esquecerá. Se está distante, a lembrança da cidade querida permanecerá sempre ao seu lado carinhosa, fiel”.
Como Newton, também o seu parente Juca Prates, famoso pelo amor a Montes Claros, é personagem de Hermes de Paula. Também estão no livro Gonçalves Chaves, Honorato e João Alves, Celestino Soares da Cruz, o Cel. Antônio dos Anjos, José Correia Machado, Honor Sarmento, os dois xarás Simeão Ribeiro dos Santos e Simeão Ribeiro da Silva, além do atual Simeão Ribeiro Pires, todos ou quase todos, hoje, nomes de ruas da cidade. Homens e mulheres foram um contínuo desfile de trabalho e de saudade e Hermes os traz para o nosso convívio em ameno bate-papo, lembrando velhos tempos quando a televisão ainda não ocupava o lugar principal em nossas horas antes de dormir.
Com Hermes de Paula, vemos chegar a Montes Claros o primeiro “bicho caminhão”, em 1920; ouvimos os tiros de pré-revolução de 6 de fevereiro de 1930; vemos acender as luzes dos lampiões de querosene, de 1912, e da usina hidrelétrica do Cel. Francisco Ribeiro, em 1917. Aparamos águas nas bicas do século passado e nas torneiras do século presente, no sonho finalmente concretizado depois de 82 anos. Com ele, assentamos os primeiros paralelepípedos, na rua 15, e os primeiros “blokrets” na Rua Rui Barbosa e na Praça Dr. Chaves; em 1950, com o Doutor Alpheu de Quadros; em 1955, com João F. Pimenta; e em 1957, com Geraldo Athayde. Com Hermes de Paula, pavimentamos até o pavimento a que ele não quis se referir, as muitas ruas calçadas pelo Capitão Enéas Mineiro de Souza, seu adversário político na campanha para prefeito de 1950.
Com Hermes, ficamos sabendo de velhos nomes de logradouros públicos: Rua do Pedregulho, atual Gonçalves Figueira, ex Joaquim Nabuco; Rua da Assembléia, atual Afonso Pena; do Bate-Couro, a Governador Valadares; do Pequizeiro, a Cel. Antônio dos Anjos; Largo da Caridade, a nossa Praça Dr. Carlos; do Urubu, a ainda velha Floriano Peixoto. É ele quem afirma ser o esdrúxulo nome do Roxo Verde proveniente de personagem de Alexandre Dumas da literatura francesa, etimologicamente Rochefort. É Hermes que põe o nosso saudoso Pedro Mendonça fundando a Malhada de Santos Reis, dividindo as terras em lotes para evitar a solidão. É Hermes que faz funcionar uma liga contra o alcoolismo e a faz acabar com as licenças dos associados de goelas secas. É ele quem põe o povo entregando um relógio de ouro ao Dr. João Alves, depois de uma terrível epidemia.
É por isso que ninguém sabe onde é maior o amor, se em Hermes de Paula, se em Montes Claros, uma vez que o autor se mistura com as personagens, numa paixão de nunca acabar.