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MANOEL MESSIAS

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E O ROMANCE JANAÍNA

                        
Falamos de nossa vida e de nossas experiências porque precisamos delas para nos firmarmos como personagens do mundo. Somos um abismo de ânsias pela verdade em todos os tempos. Aprendemos, sentados ao redor do fogo, desde o início dos milênios, a contar estórias, falar de experiências, lembrar de medos e desejos.  Muito pequena a humildade -  como homens ou mulheres - para confessarmos erros, reviver ciúmes, entender fracassos, relembrar dores. Dia aqui, dia ali, qualquer que seja o nosso nível intelectual ou social, acabamos tocados por fraca ou intensa alegria, por leve ou intensas dores. Somos, quase sempre, exemplos de resistência, seres de novas e velhas saudades, tudo coloridamente real no ato do viver e conviver. Enfim, somos humanamente humanos.

Linda e proveitosa para mim a experiência de leitura -  com olhos de prefaciador - do livro JANAÍNA, do meu irmão e amigo Manoel Messias, conterrâneo de sertão, companheiro de ideias e de muitos ideais. Viajar pelo livro foi um imenso prazer e um intenso trabalho, ao mesmo tempo dedicada tarefa na Linguística em face do anotar e reviver valores semânticos do falar regional do sertanejo mundo Bahia-Minas, principalmente por estas bandas do médio São Francisco. São tantos os falares, tantas as palavras, tão marcante o subdialeto, que só quem nasceu por cá, sabe avaliar e compreender. Manoel Messias é tão consciente do vocabulário de sua meninice e juventude na beira rio, tão seguro tem sido no seu emprego em romances, que autores e diretores novela Velho Chico, da TV Globo, pediram-lhe autorização para usá-lo nas composições dos diálogos, fator de autenticidade, fruto de sucesso e tanta marca de sertão.

Romancista nato, narrador competente, mestre nas descrições e nas análises do ser e do estar, meu confrade no Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros e na Academia Maçônica de Letras do Norte de Minas, chega a ser, ao mesmo tempo, fotógrafo e pintor, psicanalista do pensar e do agir, ainda afeito à sua arte de interrogar e receber confissões tão própria em sua antiga função de sargento da PMMG, e dos muitos anos de delegado na Polícia Civil. Um verdadeiro doutor na ciência de conhecer e reconhecer gestos do corpo e de alma de jovens e velhos que passaram por suas salas de gestor da ordem pública. Perfeito redator e relator de fatos e acontecências, capaz de colocar no papel o que muitos colegas não fazem nem em pensamento. Daí a maestria na composição e na feitura do romance.

Quanto às personagens – Janaína, seu Pacheco, D. Marcelina, Abílio, Henrique, Marta, Otaviano -  o melhor para identifica-las é o uso das palavras próprias e apropriadas ao idear e ao falar de cada um. Para mim é como se eu também estivesse por lá, pelo lado de dentro e pelo lado de fora do balcão da casa comercial que vendia de um tudo, nas varandas, na cozinha e no quintal das casas da cidade e da fazenda, vendo e respirando as poeiras das ruas e das estradas, degustando sabores, deleitando-me com os coloridos, encantando-me com os barulhos e as musicalidades das conversas de meninos e de adultos. Saudosos os costumes interioranos, as considerações tidas para viventes mais ou menos situados no mandar e no obedecer, embora sempre afeitos ao um mínimo de civilidade, poucas as exceções em alguma violência ou mania de fuxicos. Nada que não pudesse acontecer em pequenas cidades como São João do Paraíso, onde nasci, e em Salinas, Mato Verde e Taiobeiras, onde também vivi, aprendi a ler e escrever e naveguei em primeiras e muitas leituras. Nada que não pudesse estar no livro “Na venda do meu pai”, perfeita descrição dos bons tempos de infância de Luiz de Paula Ferreira na sua amada Várzea da Palma.

Toque final, com alguns exemplos para dar água na boca dos felizes leitores de JANAÍNA, expressões e vocábulos que só sabem deixar saudades: mercadorias encalhadas, coração do tamanho do mundo, medida de feijão, libra de toucinho, enganar o estômago, dependurado a tiracolo, mulato pachola, soverter rua afora, mulher separada, carestia, goela seca, tripa murcha, algibeira, mantença, lida sem descanso, escarafunchado, cabeçada, lenço na cabeça, xale, cacareco, bodum, perrengue, adjutório, frincha, bestagem, caneta tinteiro, bruaca, sarapatel, andar zanzando. Lindo o uso de algodão como tecido, pena como peça de escrita, jornal como salário do dia, jardineira como ônibus, apear como descer, de-comer como comida, ladino como inteligente, zonzo como tonto, insosso como sem sal, facultativo como médico, boticário como farmacêutico, maroteiro como mau pagador, vendeiro como dono do comércio, gato cheira e cobre de terra como aquilo que minha sogra chamava “daquilo que Luzia escondeu atrás da horta”.

Salve salve, para o lindo romance de Manoel Messias, que merece todos os parabéns, aqui e nas beiradas do São Francisco!

Academias Montes-clarense e Maçônica de Letras do Norte de Minas. Institutos Históricos e Geográficos de Minas Gerais e de Montes Claros.

 

Wanderlino Arruda